Quantos escravos um minerador precisava ter
Quase tudo o que se fazia no Brasil Colonial pressupunha o emprego de mão de obra escrava, quer de indígenas, quer de africanos ou seus descendentes. Foi assim nas plantações de cana, nos engenhos em que açúcar e aguardente eram fabricados, foi assim nas áreas de cultivo de tabaco, e foi também na mineração.
Vários autores dos Séculos XVII e XVIII foram enfáticos em dizer que, sem escravos, era impossível que um colonizador obtivesse sucesso em seus empreendimentos. A imagem mais forte desse pressuposto talvez seja mesmo a que usou Antonil, ao afirmar que os escravos eram "as mãos e os pés de um senhor de engenho". No pensamento então corrente, nada podia ser feito sem o trabalho de cativos.
A descoberta de ouro nas Gerais, em Goiás e no Cuiabá não alterou em nada a mentalidade escravista reinante. Muitos dos primeiros descobridores nada sabiam a respeito de técnicas de extração aurífera, e se não fossem os escravos, que traziam da África alguma experiência no ramo, seria quase impossível aos sertanistas arrancar da terra o cobiçado metal. A questão é: quantos escravos um minerador precisava ter?
De acordo com José Vieira Couto (que foi intendente no Distrito Diamantino), a providência inicial de qualquer minerador era ter entre cinquenta e cem cativos efetivamente trabalhando:
"Este mineiro empenha-se primeiramente em levantar uma fábrica de cinquenta ou cem escravos, porquanto com menos disso pouca coisa faz." (¹)
Vejam os leitores, portanto, que era necessário um capital nada desprezível para dar início a um empreendimento minerador, visto que, nas minas, um escravo jovem e saudável era vendido por preço exorbitante. O problema é que, devido à insalubridade do trabalho, a expectativa de vida de um escravo era baixa, e o minerador precisava, constantemente, repor trabalhadores para o lugar dos que morriam. Escreveu o já citado Vieira Couto:
"[...] Um mineiro, que tem cem negros (²), no fim de dez anos não os reformando não terá senão cinquenta, ou pouco mais, perdendo anos por outros um em cada vintena, e às vezes em cada quinzena; e os outros cinquenta, que lhe restam, estão com menos de uma sexta parte de vida [sic] [...]." (³)
A vida nas minas para homens livres e para escravos
Mineração no Brasil Colonial (⁴) |
Estudos têm demonstrado que a condição de vida dos escravos nos engenhos açucareiros era lamentável, enquanto que nas minas, a despeito do trabalho duríssimo, um cativo podia viver melhor, sempre com a esperança da alforria, na hipótese de encontrar uma grande quantidade de metal precioso e ser, por isso, libertado pelo senhor. Era possível, aos domingos e feriados, faiscar ouro em áreas de baixo rendimento, e há relatos de escravos que, dessa forma, acabaram juntando o necessário para a compra da liberdade.
Por seu turno, a vida dos mineradores nem sempre era das mais promissoras, e muita gente, na febre de enriquecer do dia para a noite, acabava investindo o que tinha, para perder tudo logo em seguida. Como já visto, era preciso gastar com a compra de escravos, além de ferramentas e outros equipamentos que, por mais rústicos que fossem, tinham seu preço; era preciso também contratar trabalhadores livres especializados - Vieira Couto menciona ferreiros, carpinteiros, carreiros e pedreiros - o que significava, por suposto, pagar salários, independente da quantidade de ouro que se extraía. Era preciso alimentar os escravos, e, nas minas, o preço dos alimentos chegava às nuvens, já que tudo vinha de longe. Finalmente, havia os "Reais Quintos", impostos que deviam ser pagos à Coroa. Vê-se, pois, que para um minerador ter sucesso, devia fazer um investimento elevado, cujo retorno, em grande parte, dependia da boa sorte para encontrar muito mineral precioso, e isso, como se sabe, era para poucos.
(1) COUTO, José Vieira. Memória Sobre as Minas da Capitania de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1842, p. 24.
(2) Notem os leitores que José Vieira Couto empregava a palavra "negros" como sinônimo de escravos...
(3) COUTO, José Vieira. Op. cit., p. 24
(4) DENIS, Ferdinand. Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1837. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) DENIS, Ferdinand. Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1837. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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As suas contas são deveras interessantes. Na quadra natalícia que, como sabe, estive em Angola, pude visitar um Museu Nacional da Escravatura. Um dia destes arranjo tempo para escrever um post.
ResponderExcluirBeijinhos
Ruthia d'O Berço do Mundo
Estou esperando por esse post!
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