A mandioca, de acordo com a Cosmographie Universelle,
de Thevet (¹)
|
"Há todavia farinha de duas maneiras: uma se chama de guerra, e outra fresca, a de guerra é muito seca, fazem-na desta maneira para durar muito e não se danar; a fresca é mais branda e tem mais substância; finalmente que não é tão áspera como a outra, mas não dura mais que dois, três dias; como passa daqui logo se dana." (²)
Sobre a farinha dita "de guerra", frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil (³), observou:
"É chamada farinha de guerra, porque os índios a levam quando vão à guerra longe de suas casas, e os marinheiros fazem dela sua matalotagem daqui para o Reino."
"É chamada farinha de guerra, porque os índios a levam quando vão à guerra longe de suas casas, e os marinheiros fazem dela sua matalotagem daqui para o Reino."
No entanto, como cultura de subsistência que era, a mandioca estava longe de ser uma prioridade entre os agricultores dos tempos coloniais. Mais interessante (e lucrativo) era plantar cana, destinada à fabricação de açúcar. Por isso, não chega a ser surpreendente que, às vezes, acontecesse faltar comida na Bahia. Para sanar esse problema tão sério, em 10 de novembro de 1690 o almotacel-mor, Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, fez passar bando pelo qual ficavam os moradores de Salvador (então "Cidade da Bahia"), até a uma distância de dez léguas, obrigados a plantar, cada um, quinhentas covas de mandioca. Desobedientes seriam multados em cem mil réis.
Ainda assim, não foram poucos os autores que, posteriormente, continuaram a falar da falta de farinha de mandioca decorrente da absoluta prioridade outorgada ao cultivo de cana-de-açúcar.
Os muito ricos, quando torciam o nariz para alimentos elaborados com mandioca, tinham a alternativa dos artigos que vinham de Portugal e que, por isso mesmo, eram caríssimos. Na Informação da Província do Brasil Para Nosso Padre (⁴), datada de 1585 e atribuída a José de Anchieta, lê-se que "alguns ricos comem pão de farinha de trigo de Portugal [...], e de Portugal também lhes vem vinho, azeite, vinagre, azeitonas, queijo, conserva e outras coisas de comer" (⁵). Isso, no entanto, já sabem os leitores, não era para qualquer um, de modo que a maior parte dos colonizadores tinha que sobreviver com os produtos da terra, coisa que devia ser a mais óbvia e natural deste mundo, se levarmos em conta as excelentes condições de cultivo e a extensão territorial dos domínios lusitanos na América.
(1) THEVET, André. Cosmographie Universelle vol. 2. Paris: Guillaume Chaudiere, 1575. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil: História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, p. 59.
(3) O manuscrito é de c. 1627.
(4) O padre-geral dos jesuítas em 1585 era o italiano Claudio Acquaviva.
(5) ANCHIETA, Pe. Joseph de, S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 428.
Veja também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.