A técnica básica de cultivo da mandioca (Manihot esculenta) e da preparação, com ela, de farinha, que envolve certa complexidade, estava amplamente disseminada entre indígenas do Brasil, antes que europeus começassem a frequentar a região em fins do Século XV. Um pouco mais tarde, colonizadores, a partir do contato com a população nativa, passaram a incluir a farinha de mandioca na alimentação, mesmo porque as tentativas de cultivo de trigo não resultaram em safras tão avantajadas que pudessem assegurar a autonomia da terra para se fazer pão e outros alimentos. Desde então, o sincretismo cultural resultou na descoberta de várias aplicações para a mandioca, de modo que, já no Século XIX, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o segundo barão de Paty do Alferes, escreveu:
"É esta preciosa planta [a mandioca] uma das mais necessárias ao fazendeiro e a todos em geral; sua ótima farinha serve nas nossas mesas como um acessório indispensável e necessário; nas mesas de maior luxo aí aparece o seu pirão, os deliciosos bolos de sua tapioca e os saborosos mingaus e biscoitos de sua goma, que também lustra a cambraia e finíssimos morins de nossas camisas e dos vestidos de nossas damas." (*)
Da cozinha aos serviços de lavanderia: eis aí uma transição interessante quanto ao emprego da farinha de mandioca, que deixa entrever alguma coisa dos costumes relativos ao cuidado da roupa em fazendas do Século XIX, além dos hábitos de vestuário da elite rural. Por outro lado, a farinha de mandioca, enquanto durou a escravidão, foi amplamente empregada na alimentação dos cativos.
Talvez nunca saibamos quem foram os primeiros que tiveram a ideia de empregar a planta tão comum na dieta indígena para algo mais que farinha, mas podemos estar certos de que, nesse aspecto, a necessidade de improvisar teve papel significativo, diante da ausência de artigos cujo uso era corrente no Reino.
(*) WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda. Memória Sobre a Fundação e Custeio de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1863, p. 96.
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