quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Um lugar para o treinamento de ciclistas no final do Século XIX

"Ponho de lado igualmente as corridas de bicicletas e velocípedes, por serem recentes, o que não quer dizer que não tenham graça."
Machado de Assis, Gazeta de Notícias, 29 de março de 1896

Em parte por influência estrangeira, em  fins do Século XIX crescia o interesse por esportes no Brasil. Havia controvérsias, no entanto, não faltando quem achasse que exercícios atléticos, qualquer que fosse a modalidade, não passavam de um modismo ou perda de tempo para desviar a juventude, e mesmo os de mais idade, de ocupações reputadas, então, mais nobres e cerebrais. O partido oposto se desdobrava em argumentos a favor dos esportes como promotores da saúde e do desenvolvimento físico, qualidades desejáveis em bons cidadãos para a República que o Brasil, há pouco, se tornara.
Com tal cenário, não é difícil imaginar que os apaixonados por algum esporte enfrentavam problemas para encontrar lugar adequado às suas atividades. Ciclistas, por exemplo: onde treinar, sem atrapalhar o trânsito ou colocar em risco a segurança dos pacatos caminhantes? Parece-me que, nesse tempo, a maioria das pessoas olhava para as bicyclettes, mais ou menos menos como nós olharíamos, hoje, na hipótese da aparição de alguma bike voadora...
De acordo com o jornal Semana Sportiva, na edição de 18 de novembro de 1899 (¹), ciclistas do Rio de Janeiro, capital do Brasil na época, que gostavam de pedalar na Praça da República, enfrentavam restrições quanto ao horário para suas práticas. Dizia o jornal: 
Na edição de 18 de novembro de 1899,
o jornal Semana Sportiva protestava
contra as restrições aos ciclistas (²)
"Ainda está vigorando o edital mandando que seja permitido o ingresso de ciclistas no jardim da praça da República somente das 11 horas da manhã às 4 da tarde.
Reconhecido o inconveniente dessa ordem, expedida em virtude de abusos cometidos por alguns ciclistas sem critério, estamos certos de que o ilustre diretor geral dos jardins públicos, Sr. Dr. Júlio Furtado, espírito culto e cordato como é, a revogará, pois é sabido que o parque da praça da República é hoje o único ponto do centro desta capital onde se pode fazer o salutar e higiênico exercício do pedal, tão preconizado e aceito em todo o mundo civilizado." (³)
Não era implicância a recusa do horário oferecido (ainda que, como já visto, o jornal reconhecesse que havia alguns ciclistas de comportamento inadequado). É que das 11 às 16 horas os atletas amadores estavam, com toda certeza, cada um em seu respectivo local de trabalho ou estudo, conforme a Semana Sportiva iria ainda lembrar: "A limitação, como está feita, equivale quase a uma interdição, pois das 11 às 4 horas só os desocupados poderão aproveitar-se da licença, e é considerável o número de cavalheiros distintos que usam a bicyclette e têm ocupações nesse interregno."
Observem, leitores, que as palavras do jornal mostram que bicicletas, nesse tempo, não eram ainda vistas como um meio de transporte, e, ao que parece, não passaria pela cabeça de quase ninguém a ideia de ir ao trabalho pedalando. O correr do tempo se encarregaria de trazer mudanças: hoje é sugerido o uso de bicicletas para desafogar o trânsito caótico gerado por automóveis nas cidades.

(1) Ano XI, nº 360.
(2) O original pertence à BNDigital. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) Essa afirmação é facilmente compreensível no contexto do Brasil que se desejava na época. Na prática, o recado seria este: se queremos ser civilizados, precisamos admitir as bicicletas. Está dada a licença para o riso, leitores!


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