terça-feira, 27 de julho de 2021

Vitória-régia

Vitória-régia (Victoria amazonica)

"A Amazônia selvagem sempre teve o dom de impressionar a civilização distante."
Euclides da Cunha, À Margem da História

À medida que avançavam pela região amazônica, exploradores dos tempos coloniais, e mesmo mais tarde, iam encontrando mais e mais razões para admiração. A natureza oferecia, ali, visões inusitadas, quer na paisagem, quer na fauna e mesmo na flora. Que vegetal era aquele que, sobre a água, impressionava pelas dimensões e beleza? Até mesmo a origem do nome que lhe deram foi motivo de controvérsia. Quem, afinal foi o primeiro a chamá-la "vitória-régia"?
Para Francisco Bernardino de Sousa (¹), "em 1845 um viajante inglês, o sr. Bridges, navegando pelas margens do rio Iocouma, um dos tributários do Mamoré, deu com um lago, no qual viu com surpresa uma quase colônia dessa planta magnífica. Em sua admiração e em seu amor britânico deu-lhe o nome de sua soberana, apelidando-a de Victoria regia" (²). Outros atribuem a Robert Schomburgk essa exótica denominação. José de Alencar, porém, tinha outras ideias. Disse ele, em Sonhos d'Ouro: "[...] a flor gigante, a grande ninfeia escarlate, a rainha dos lagos, que os ingleses chamaram vitória, em honra de sua soberana, mas eu chamarei imperatriz (³), em razão de ser uma majestade brasileira. Dir-me-ão que não sou botânico, e portanto não tenho autoridade para crismar essa espécie de loto, que os indígenas chamam milho-d'água. Não é de certo minha intenção invadir os domínios da ciência; podem os botânicos inventar quanto nome grego e latino lhes aprouver para apelidarem as plantas; podem fazer a autópsia das inocentes criaturas para reduzi-las a sistema. Mas as flores, como mimos da natureza, são do domínio da poesia."
"Milho-d'água", portanto, seria, de acordo com Alencar, a denominação indígena para a vitória-régia. O cônego Francisco Bernardino de Sousa pensava diferente: "Os índios dão a essa flor o nome de Uapé Jaçaná (forno dos jaçanãs) porque estas aves vivem pousadas sobre elas, de cujas sementes se alimentam" (⁴).


Quem vai à Amazônia não quer sair de lá sem ver a vitória-régia. Foi o que aconteceu com Jean Louis e Elizabeth Cary Agassiz, durante a Expedição Thayer, no ano de 1866. No diário da viagem foi registrado, em 18 de janeiro: "Pusemo-nos hoje em procura da vitória-régia. Fizéramos constantes esforços para ver esse famoso nenúfar florindo em suas águas natais; mas, embora nos houvessem dito que abundavam os seus exemplares nos lagos e igarapés, nunca conseguimos ver nenhum deles" (⁵). A busca continuou e foi, finalmente, recompensada: "Por mais maravilhosa que ela pareça quando admirada na bacia de um parque artificial, onde faz maior efeito pelo seu isolamento, tem, contemplada no meio que lhe é próprio, um encanto ainda maior; o da harmonia com tudo o que a rodeia, com a massa compacta da floresta, com as palmeiras e as parasitas, as aves de brilhante plumagem, os insetos de cores vivas e maravilhosas, com os próprios peixes que, escondidos nas águas, por baixo dela, têm suas cores não menos ricas e variadas do que as dos seres vivos do ar" (⁶). 
Surpresa, na Amazônia, meus leitores, seria não encontrar nela nada surpreendente.

(1) Encarregado dos trabalhos etnográficos da Comissão do Madeira.
(2) SOUSA, Francisco Bernardino de. Pará e Amazonas Segunda Parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875, p. 12. 
(3) Recordem-se, leitores, de que o Brasil era império quando Alencar escreveu Sonhos d'Ouro.
(4) SOUSA, Francisco Bernardino. Op. cit., p. 12.
(5) AGASSIZ, Jean Louis R. et AGASSIZ, Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil 1865 - 1866. Brasília: Senado Federal, 2000, p. 335.
(6) Ibid., p. 338.


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