quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A tragédia de um minerador paulista que foi procurar ouro em Cuiabá

Nos tempos coloniais, a procura de ouro no interior do Brasil era muito arriscada


Monumento ao minerador desconhecido em
Cristalina - GO (fotografia infravermelha)
Os leitores bem sabem o que é que movia muitos paulistas à ida aos sertões desconhecidos nos tempos coloniais: era a fome desesperada por enriquecimento (rápido, de preferência), quer através do apresamento de indígenas para escravização, quer mediante a descoberta de jazidas auríferas. No primeiro caso, os escravizados eram usados, alguns, em terras dos próprios apresadores, enquanto outros eram vendidos para quem queria cativos para o trabalho. Ter muitos escravos significava aumentar as áreas de cultivo, produzir mais e, por conseguinte, ampliar as possibilidades de ganho.
Nada disso, porém, se comparava à riqueza com que a sorte na procura do ouro favorecia alguns felizardos. Fazia-se fortuna em brevíssimo tempo. Poucos, porém, é que alcançavam a sonhada prosperidade. A maioria tinha rendimentos modestos, até porque, nas minas, o custo de vida era absurdo. Literalmente, tudo se comprava a peso de ouro. 
Não foram poucas as pessoas que, mesmo desfrutando em São Paulo de uma posição econômica satisfatória, resolveram arriscar o patrimônio na procura de metais preciosos. Queriam ter mais, muito mais, e acabavam perdendo quase tudo o que tinham. Um desses casos, registrado na Nobiliarchia Paulistana, é o do sargento-mor João Carvalho da Silva, Devia ser um sujeito respeitado em São Paulo, já que, sobre ele, Pedro Taques refere: "ocupou os cargos da sua República (¹), foi sargento-mor do terço de auxiliares, teve as estimações que soube conseguir a sua docilidade e a graduação do seu distinto nascimento. Possuiu os bens da fortuna, sem inveja aos opulentos do seu tempo [...]."
Ao ouvir dizer que em Cuiabá havia muito ouro, deu-lhe na cabeça investir tudo o que tinha para ficar ainda mais rico. Meteu-se em uma das monções e lá se foi, Tietê afora, e outros rios mais, com todos os escravos de que dispunha, supondo que tudo lhe sairia muito bem. 
Mas não foi assim.
A desdita começou ainda antes da chegada às minas, quando canoas com suprimentos foram perdidas nas terríveis cachoeiras que havia na viagem. Conta Pedro Taques:
"[...] Nesta jornada, a mais arriscada pelo precipício das grandes cachoeiras que há nos rios desta navegação, voltou-se a roda a que chamamos da fortuna, e emborcando-se-lhe algumas canoas da sua conduta, lamentou antes de chegar às minas, castigada a resolução que tomara de deixar o estabelecimento da pátria [sic] para passar às minas ainda não estabelecidas no ano de 1721. O golpe foi grande por ser muito avultado o prejuízo."
Não cessaram aí as desgraças. João Carvalho da Silva e os escravos chegaram a Cuiabá em ocasião na qual grassavam as doenças, e não demorou para que muitos dos seus cativos acabassem morrendo. Segue a Nobiliarchia Paulistana:
"[...] Perdeu quase todos os escravos e se impossibilitou para, com o serviço deles, lucrosos tesouros que o conduziram àqueles sertões à custa de tão excessiva despesa, riscos de vida e tolerância das incomodidades, além da contingência dos assaltos dos bárbaros gentios de diversas nações, a cujas forças têm perecido tantas vidas [...]."
Era essa, leitores, a dura realidade das monções cuiabanas, para a maioria dos que nelas se aventuravam. A Pedro Taques ainda ocorreu mencionar que o triste herói dessa história era já viúvo quando se pôs a procurar ouro e que não tinha filhos que pudessem lamentar a herança malbaratada. Acertou, ainda na Antiguidade, o sábio rei dos hebreus, ao considerar que proveito havia na vida daquele que, não tendo descendência, gastava tempo e energia em fadigas para acumular bens: "vanitas est et adflictio pessima..." (²)

(1) Era assim que Pedro Taques de Almeida Paes Leme, em sua Nobiliarchia Paulistana, nomeava a administração pública da cidade de São Paulo.
(2) Ecclesiastes 4, 7-8.


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