Em uma imagem de M. Rugendas, o desembarque de escravos no porto do Rio de Janeiro (¹) |
Um dos aspectos mais grotescos da escravidão estava relacionado ao modo como eram tratados os escravizados, que, trazidos da África, chegavam ao Brasil e eram logo apresentados aos potenciais compradores. Infelizmente, para muitos brasileiros acostumados ao espetáculo diário da escravidão, a existência de um lugar em que seres humanos eram comprados e vendidos parecia uma coisa absolutamente normal, daí ser muito útil verificar o que é que pensava um estrangeiro ao observar o mercado de escravos do Valongo (²).
Temos um depoimento interessante, registrado por C. Schlichthorst, militar alemão contratado, pouco depois da Independência, como oficial para o 2º Batalhão de Granadeiros. Esse homem permaneceu pouco tempo no Brasil, mas foi o suficiente para que, pelo menos em assuntos relacionados à escravidão, tivesse uma visão bastante abrangente quanto ao que ocorria na capital do Império. Como poderia ser diferente, se os cativos estavam por toda parte, se ninguém parecia constrangido em ostentar o título de "senhor de escravos", se, afinal, os grandes do Império eram considerados tanto mais poderosos quanto maior o número de escravizados que tinham à disposição?
Mas vamos ao que Schlichthorst escreveu sobre o desembarque de africanos:
"Ao chegar ao porto, dá-se a cada escravo do sexo masculino ou feminino, um pano azul e um barrete vermelho, pois viajaram em trajes do Paraíso. Com essas tangas e barretes, veem-se longas filas de negros levados como rebanhos de ovelhas para os armazéns dos traficantes, onde as transações continuamente se realizam, feitas com a mesma cautela com que na Alemanha se compra um cavalo." (³)
Nesses armazéns cada escravo era examinado, ou pelos futuros senhores, ou por seus representantes comerciais encarregados de negócios na Corte:
"Verificam-se, para começar, mãos e pés. Mandam-se fazer vários movimentos, para ver que não têm defeitos. Examinam-se os dentes e o tórax. Afinal, levam-no repentinamente do escuro para a claridade, a fim de provar a sua vista. Não será preciso dizer que esse exame não é feito com muita delicadeza nas escravas. [...]." (⁴)
Imagino que os leitores estejam entre constrangidos e horrorizados. Schlichthorst ainda acrescentou:
"Numa palavra, este comércio de carne humana equivale ao comércio europeu de cavalos." (⁵)
C. Schlichthorst deixou, porém, de fazer uma observação que seria de todo pertinente: se é fato que o tráfico de africanos só existia porque havia gente interessada em comprar escravizados, é igualmente verdade que, desde os primórdios da colonização, o maldito comércio de seres humanos era feito por europeus, e de diversas nacionalidades. Não era coisa que envolvesse apenas os habitantes das jovens colônias do continente americano. Era, por assim dizer, um drama quase mundial.
C. Schlichthorst deixou, porém, de fazer uma observação que seria de todo pertinente: se é fato que o tráfico de africanos só existia porque havia gente interessada em comprar escravizados, é igualmente verdade que, desde os primórdios da colonização, o maldito comércio de seres humanos era feito por europeus, e de diversas nacionalidades. Não era coisa que envolvesse apenas os habitantes das jovens colônias do continente americano. Era, por assim dizer, um drama quase mundial.
(1) O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) No Rio de Janeiro, capital do Império do Brasil.
(3) SCHLICHTHORST, C. O Rio de Janeiro Como É (1924 - 1926). Brasília: Senado Federal: 2000, p. 137.
(4) Ibid.
(5) Ibid., p. 138.
Veja também:
Há a acrescentar os próprios africanos pois, não raras vezes, os soberanos ou líderes tribais vendiam os seus compatriotas e, eles próprios possuíam escravos sobretudo resultantes de batalhas, etc. Como dizia Hobbes, o homem é o lobo do homem...
ResponderExcluirAbraço
Ruthia d'O Berço do Mundo
Isso é correto. E há mais: não eram raros, no Brasil, os casos de escravos libertos que enriqueciam e acabavam sendo, eles mesmos, proprietários de escravos.
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