domingo, 5 de fevereiro de 2012

O comércio de escravos no Brasil

Nesta postagem, leitor, o assunto será o comércio de escravos africanos ou descendentes de africanos no Brasil - do tráfico de indígenas escravizados trataremos em outra ocasião.
Quanto ao comércio de escravos, há que se distinguir duas situações: a primeira é a dos que eram trazidos da África e vendidos, legalmente ou não, nos portos do Brasil - esse comércio cessou oficialmente em 1850; já a segunda situação é relativa ao comércio interno de escravos, ou seja, dentro do próprio país.
Mercado de escravos, de acordo com Rugendas (⁵)
Ao chegar ao Brasil, um navio negreiro (ou tumbeiro, apelido sinistramente apropriado) descarregava os escravizados que eram vendidos geralmente em um mercado, dos quais o do Valongo, na Corte do Rio de Janeiro, talvez fosse o mais famoso. Isso não quer dizer que os escravos aí comercializados eram, necessariamente, ocupados em trabalhar na mesma localidade. Os registros da navegação costeira que se fazia no Brasil do século XIX mostram que muitas vezes eram agentes de fazendeiros que efetuavam a compra e, posteriormente embarcavam a "mercadoria" para outras regiões. O curioso é que, devido à relativa precariedade das condições da navegação costeira, sucedia por vezes que um grupo de escravos viajasse em meio à gente livre, fato que despertava não pouco constrangimento entre estrangeiros que, percorrendo o Brasil da época, deixaram relatos interessantes (¹).
Coisa diferente era o comércio interno de escravos. Desconsiderando por hora, como já disse, o tráfico de indígenas escravizados (apenas para simplificar o estudo do assunto), é preciso diferenciar a venda isolada de um cativo (fosse porque o antigo senhor não precisava mais dele, ou porque fosse considerado "fujão", ou ainda por ser parte do espólio de um senhor falecido ou outra razão qualquer), das vendas em massa ocorridas em alguns momentos específicos da História do Brasil.
Um primeiro exemplo de vendas em larga escala no mercado interno é o da fase de explosão da atividade mineradora nas primeiras décadas do século XVIII, quando muitos senhores de engenho julgaram, diante da falta de gêneros alimentícios nas minas que, por isso mesmo, lá alcançavam preços quase inacreditáveis, ser conveniente descuidar da cultura canavieira para plantar artigos de subsistência que pudessem fazer, com bom lucro,  alcançar  os conglomerados urbanos mineradores, chegando a vender parte de seus escravos também para as minas, onde seu preço era também exorbitante. (²) Observe-se ainda que os preços aberrantes praticados nas minas (³) acabaram, por assim dizer, "contaminando" quase toda a colônia, de modo que chegou a haver, desde fins do século XVII, grande insatisfação popular com a alta geral de preços, fato que contribuía para tornar ainda pior a vida quotidiana, já difícil por si mesma, em virtude da precariedade das povoações coloniais.
Mais tarde, quando da expansão cafeeira no século XIX e, em parte em decorrência do fim do tráfico de africanos (a partir de 1850), houve alguma tendência à venda de escravos provenientes das minas já exauridas para áreas do eldorado da Coffea arabica. O crescimento das áreas cultivadas demandava um maior número de trabalhadores e, nesse quadro, pagar caro por escravos vindos de outras regiões do Brasil foi visto como um paliativo à escassez de mão de obra.
O declínio do mercado interno de seres humanos aconteceu, inevitavelmente, com a gradual desagregação da ordem escravista, fosse porque a chegada de trabalhadores livres imigrantes diminuía a vantagem do comércio de cativos, fosse porque ficava claro que era mau negócio investir em um sistema que estava fadado a desaparecer (ainda que tardiamente) ou, porque os próprios escravos, face à brutalidade da condição a que estavam submetidos, recorriam às fugas, mais e mais frequentes, conforme se observa nos anúncios oferecendo recompensas por sua captura que eram publicados na imprensa da época (⁴). A "mercadoria" perdia, com isso, valor de mercado e a ruína da ordem escravocrata era inevitável, já podia ser observada quer nas fazendas, quer nas cidades, mesmo antes da Lei Áurea. Com ou sem a Lei, era só uma questão de (muito pouco) tempo.

(1) Veja sobre isso a postagem "Os 'navios negreiros", embarcações que transportavam africanos escravizados".
(2) É o que diz Antonil em Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Veja-se, na edição original de 1711, as páginas 95 e 180.
(3) Veja sobre isso a postagem "Os preços dos alimentos nas minas de ouro do Brasil Colonial no início do Século XVIII".
(4) A postagem "Quem se importa com animais e escravos que fugiram?" trata da questão dos anúncios em jornais, nos quais se ofereciam recompensas pela captura de escravos fugitivos.
(5) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.



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