quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A criminalidade nas regiões auríferas do Brasil Colonial

As regiões mineradoras do Século XVIII atraíam multidões de aventureiros, vindos tanto do próprio Brasil como do Reino. Proibia-se a vinda de pessoas de outras nacionalidades, mas, como se sabe, ninguém iria ter o trabalho de proibir aquilo que jamais acontecia. Fato é que as povoações que surgiam de um dia para outro, sempre que se descobria ouro em um dado lugar, acabavam tendo uma população bastante heterogênea, com um único propósito em comum: enriquecer o mais rápido possível, e a qualquer preço. No mais, as divergências eram grandes, e os casos de crimes brutais estavam longe de escassear. As autoridades residiam a grande distância, e, quando finalmente compareciam, nem sempre tinham meios para impor "a lei e a ordem", isso sem falar que funcionários coloniais, como regra geral, quando mandados às minas, acabavam, de um ou de outro modo, indo procurar seus próprios meios (lícitos ou ilícitos) de acumular riqueza.
O que está dito valia para as minas, onde quer que elas estivessem. As Gerais são mais famosas e não há dúvida de que a Inconfidência de 1889 contribuiu para isso, ao menos no imaginário popular. Há muito mais escrito sobre elas do que sobre outras regiões. Assim, para demonstrar que desordens e arruaças não eram monopólio apenas das Gerais, veremos o que escreveu o militar português Luís d'Alincourt (¹) a respeito das minas de Goiás, ao relatar algumas peripécias de que tivera conhecimento::
"Uma mulher, ou para dizer melhor um monstro, teve ânimo de sufocar e sepultar nas suas lavras de Ouro Fino as duas filhas só por ser muito gabada a sua formosura; e esta mesma fúria matou o filhinho de uma sua escrava e o apresentou assado ao marido, por julgar que era dele; o descobridor do Pilar teve a ousadia de perturbar a ordem em uma procissão pública, disputando com o juiz ordinário a precedência do lugar, e fez o insulto de tirar-lhe a cabeleira e dar-lhe com ela no rosto, do que se seguiu ficarem as santas imagens abandonadas, e uma desordem formal entre os partidos dos dois, dando-se muitas cutiladas e havendo algumas mortes! O descobridor de São Félix morreu com as armas na mão fazendo resistência vigorosa à Justiça; o padre José Caetano Lobo Pereira, morador junto a Meia-Ponte, tinha a insolência de fazer despejar da sua vizinhança, por uma carta, as pessoas que lhe parecia, intimando-lhes pena de morte, e o mais é que era obedecido sem réplica; o padre Antônio de Oliveira Gago era um frenético assassino, e assim muitos outros. Eis aqui em grande parte a qualidade dos homens que fundaram os primeiros estabelecimentos naquela Província!" (²)
Verdade é que d'Alincourt escreveu quando tudo já era passado há bastante tempo, e é difícil estipular um limite entre os fatos autênticos e as fantasias populares; é porém improvável que ele houvesse simplesmente inventado essas coisas para entreter os leitores. Em suas andanças pelo interior do Brasil, deve ter ouvido da boca do povo estas e muitas outras histórias semelhantes, talvez pintadas com as cores do exagero, mas servindo muito bem, no fim das contas, para ilustrar qual era o clima que reinava entre os que faziam da busca desesperada pelo ouro a razão de ser da existência.

(1) Luís d'Alincourt veio ao Brasil em 1809, no rastro dos que acompanharam D. João e a família real em seu estabelecimento no Rio de Janeiro.
(2) ALINCOURT, Luís d'. Memória Sobre a Viagem do Porto de Santos à Cidade de Cuiabá. Brasília: Ed. Senado Federal, 2006, p. 79.


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