Uma explicação supersticiosa para o esgotamento rápido das jazidas auríferas no interior do Brasil
O declínio rápido da mineração no interior do Brasil desde fins do Século XVIII é fenômeno complexo. Os métodos de extração empregados na época e as ferramentas primitivas funcionavam enquanto o mineral era abundante na superfície, mas falhavam quando era preciso realizar exploração profunda. Muito metal precioso era desperdiçado e, literalmente, ia por água abaixo. Por consequência, quando o ouro de fácil extração se esgotava, a população de mineradores procurava outro lugar para viver e explorar. Era assim que povoações, nascidas de um dia para outro, em pouco tempo se convertiam em ruínas. Além disso, essas povoações, a maioria de caráter provisório, eram assoladas por doenças e, sem que houvesse qualquer recurso médico para deter a marcha da morte, decresciam os braços disponíveis para o trabalho que, é bom que se diga, era quase sempre feito por escravos. O custo dos gêneros alimentícios e outros artigos indispensáveis à sobrevivência, sendo elevadíssimo nas regiões auríferas, torna difícil afirmar que os ganhos dos mineradores justificavam os gastos que estavam obrigados a fazer.
A promessa de enriquecimento rápido e fácil, que seduzia tanta gente, provava-se, em largo número de casos, uma trágica fantasia. Superstição corrente entre o povo asseverava que as minas se esgotavam porque o ouro mudava de lugar.
Como assim?
Vou explicar. Bartolomeo Bossi, genovês que empreendeu uma expedição em Mato Grosso em 1862 (¹), ouviu uma senhora muito idosa contar, sob a alegação de ter presenciado o fenômeno:
"Procurei tomar alguns antecedentes daquela anciã [...]. Disse-me que quando seu falecido esposo resolveu habitar este deserto (²), foi por ter encontrado nele um indivíduo que extraía muito ouro, porém depois o ouro se havia retirado, conforme eles mesmos haviam presenciado. Pedi-lhe mais explicações sobre essa fábula, filha da superstição e da ignorância, e disse-me que nas noites escuras haviam visto levantar-se da terra, junto ao arroio, uma chama viva que corria em direção ao oeste, e que seguindo por esse rumo o metal seria encontrado. [...]." (³)
Na prática, não era o ouro, é claro, quem mudava de lugar. Eram os mineradores que iam atrás dele. Poucos tinham a sorte de poder afirmar que essa rude peregrinação era compensadora.
(1) Sua ideia era encontrar áreas propícias à extração de ouro e diamantes. Chegou a consultar antigos mapas e referências à lendária região dos Martírios. A expedição por ele encabeçada não teve grande sucesso econômico, mas contribuiu para ampliar o conhecimento sobre o Brasil Central, ainda escasso na época.
(2) Lugar quase despovoado em Mato Grosso, não uma região árida.
(3) BOSSI, Bartolomé. Viage Pintoresco por los Ríos Paraná, Paraguay, San Lorenzo, Cuyabá. Paris: Libreria Parisiense - Dupray de la Mahérie, 1863, p. 85. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
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