quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

As cidades do futuro, na imaginação de quem vivia em 1929

Os dias finais de dezembro costumam ser férteis em previsões quanto ao que acontecerá no ano seguinte. Para bem dos supostos profetas, esses vaticínios são habitualmente esquecidos em razão da luta quotidiana que faz questão de comparecer a cada janeiro. Vejam como exemplo, leitores, o que aconteceu com o ano de 2020: se, por curiosidade, voltarem às profecias feitas no final de 2019, terão diversão garantida.
Era dezembro de 1929. A revista carioca O Malho trouxe este curioso prognóstico quanto às cidades do futuro, coisa de quarenta ou cinquenta anos adiante:
"Arranha-céus de duzentos ou trezentos andares, que ocupem áreas correspondentes a quatro ou cinco dos grandes quarteirões da atualidade, separados por vastos parques e locais para estacionamento de automóveis; aeroportos; grandes terraços com jardins; calçadas suspensas a cem ou duzentos metros do solo; paredes de vidro, que permitam a entrada da luz e do sol nos compartimentos mais interiores; garagens de tetos planos e muito elevados para a descida de máquinas aéreas tipo helicópteros; gigantescos hospitais aéreos, com paredes de cristal, suspensas sobre a cidade, a alturas fantásticas, a fim de proporcionar aos enfermos ar puro acima das nuvens.
Tudo isto é coisa infalível, que verão, desassombrados, talvez, os nossos olhos, daqui a quarenta ou cinquenta anos." (*)
Bem, leitores, a coisa seria para 1970 ou 1980, e nós, no final de 2020, vemos, felizmente, pouco disso por aí. É verdade que os estacionamentos se multiplicaram e parecem nunca ser suficientes, que aeroportos se tornaram indispensáveis e que prédios mais altos às vezes têm um heliporto, mas não se vê, em lugar algum, construções com trezentos andares. Paredes externas quase totalmente de vidro existem e são facilmente encontradas, mas não creio que as internas, com essa característica, sejam sequer desejáveis. Quanto às calçadas e hospitais aéreos... Nem parques de diversões são assim. Alguns doentes talvez morressem de desespero, só em olhar para baixo.
Mas, como disse, essa previsão parcialmente fracassada foi oferecida ao público no final de 1929. Lembrem-se, leitores, de que foi esse o ano em que eclodiu a maior crise econômica do Século XX. Multidões de desempregados, sem ter onde viver com a família, produção encalhada nas lavouras e nas fábricas por falta de compradores, grandes fortunas desfeitas em questão de horas e a sombra do totalitarismo ganhando o apoio dos crédulos e desesperados - esse era o cenário daqueles dias. Sonhar com um futuro brilhante, limpo e luminoso, com conquistas incríveis na arquitetura, nos transportes, na saúde, podia ser, ao menos, um magro consolo, diante da dura realidade, observável em quase todo lugar. 

(*) O MALHO, Ano XXVIII, nº 1422, 21 de dezembro de 1929.


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