terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Era preciso dormir em rede nas longas viagens pelos rios da Amazônia

Antes de 1853, quando a navegação a vapor foi implantada, viajar por rios da Bacia Amazônica era não só uma aventura, como um desafio gigantesco à paciência. Nas palavras de Francisco Bernardino de Sousa, "até essa época todo o tráfico dos gêneros de comércio era morosamente feito em canoas, que raras vezes realizavam uma viagem redonda de Belém a Manaus em menos de cinco meses, viagem que hoje (¹) se efetua em treze a quinze dias, quando muito, compreendidos os cinco dias de demora em Manaus e nos dez pontos intermédios" (²).
Esse cônego Francisco Bernardino de Sousa, que, encarregado dos trabalhos etnográficos participou da Comissão do Madeira, devia ser afeiçoado às viagens longas e às conversas que lhe permitiam descobrir como viviam os habitantes de regiões longínquas do Brasil - digo longínquas, é claro, em relação ao Rio de Janeiro que, em seu tempo, era a capital do Império. Notou que nas viagens por essas vastidões de água e selva competia a cada viajante providenciar acomodação para dormir na embarcação. Uma rede, portanto, era indispensável na bagagem: 
"As redes são o leito de que geralmente se servem os habitantes das províncias do Pará e do Amazonas, e muitas vezes constituem a única mobília da gente mais pobre. No princípio custei a habituar-me a esse gênero especial de dormida; no Pará não tive necessidade de acostumar-me a ele, por me ter sido dada uma excelente cama; mas depois, obrigando-me a necessidade a aceitar a rede, porque mui raras vezes encontrava outra cama, cheguei por fim não só a acostumar-me a ela, como até a achei bem cômoda e bem apropriada para a terra.
Os vapores das diferentes companhias que navegam nos rios das duas províncias são dispostos a poderem os passageiros armar as redes na tolda. Somente as pessoas doentes e uma ou outra senhora aproveitam-se das camas dos beliches." (³)
Dormir em rede era hábito indígena, muito útil para quem era nômade ou seminômade. Da necessidade e conveniência veio o costume que, curiosamente, persiste até hoje (⁴): observem, leitores, as fotos seguintes, que fiz no porto de Manaus.

Embarcações no porto de Manaus - AM: na embarcação em primeiro plano podem
ser vistas redes usadas por passageiros 

Em detalhe, redes dispostas em uma embarcação

(1) "Hoje" é referência à ocasião, no Século XIX, em que o cônego Francisco Bernardino de Sousa escreveu Pará e Amazonas.
(2) SOUSA, Francisco Bernardino de. Pará e Amazonas. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1874, p. 43.
(3) Ibid., p. 50.
(4) Neste caso, leitor, "hoje" é hoje mesmo, quando você está lendo este texto.


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