terça-feira, 28 de agosto de 2018

A decadência das regiões auríferas coloniais

Vila Rica vista de longe, de acordo com Rugendas (¹)

Se o Século XVIII foi marcado pela descoberta de jazidas auríferas importantes no Brasil, o XIX, com o esgotamento das minas, viu muitas antigas áreas de mineração transformadas em ruínas. 
Terrenos considerados promissores eram abandonados quando o ouro escasseava. As técnicas rudimentares de exploração contribuíram para o esgotamento precoce; muito ouro se perdeu pelo desconhecimento de métodos e ausência de equipamentos adequados à extração da riqueza que não se oferecesse à superfície. Como resultado, quem andava por lugares em que outrora pululavam mineradores, comerciantes e quem mais intentasse lucrar com o ouro, agora contemplava,  em muitos casos, um cenário verdadeiramente desolador. Declinando a mineração, arruinavam-se outras atividades que haviam florescido nas povoações. Nem mesmo os engenhos (2) escaparam da derrocada, conforme se vê neste relato escrito pouco depois da Independência, no qual Raimundo José da Cunha Matos expôs a situação encontrada no antes riquíssimo Distrito do Pilar, Província de Goiás:
"Em diversos lugares que hoje atravessei, encontram-se grandes edifícios demolidos que foram engenhos de açúcar, os quais servem unicamente de testemunho da antiga opulência, e da presente miséria dos habitantes do Distrito do Pilar. [...] Às nove horas e meia entrei no Arraial do Pilar, assentado em uma profunda cova, cercado de morros elevadíssimos: foi muito extenso e povoado, e tem várias ruas bem calçadas. Alguns edifícios mostram a sua antiga opulência, mas agora acha-se grandemente deteriorado pela dificuldade da mineração do ouro, única esperança dos seus iludidos habitantes que ainda preferem as minas à agricultura." (3) 
Décadas mais tarde, José Vieira Couto de Magalhães observou, ao tratar da região do Rio do Peixe:
"[...] As impressões do viajante não são mais alegres, porquanto vai-se constantemente atravessando velhas lavras de mineração, e o coração se aperta ao ver desertas e abandonadas grandes casas, regos, valos, muralhas, ora cobertas de mato, ora desmoronando-se. Salta sobretudo aos olhos a fazenda do finado senador José Rodrigues Jardim, cuja vasta casaria, ainda em bom estado de conservação, abriga hoje morcegos, corujas, e répteis venenosos." (4)
Até as Minas Gerais chegaram a experimentar declínio. Suas cidades de exuberante arquitetura barroca sofreram muito com o revés nas extrações auríferas. Voltando à obra de Cunha Matos, encontramos este relatório:
"Os grandes montões de calhau e cascalho que vi ontem e hoje, e as covas cheias de água estagnada, são os únicos benefícios que a mineração deixou à Vila de São João del-Rei [...]. Nenhum lugar foi mais florescente do que Vila Rica durante a mineração: mas agora que se não extrai ali ouro, apesar de ser capital da Província (5), a Cidade do Ouro Preto vai caindo em miséria, e [...] edifícios acham-se reduzidos a um monte de ruínas." (6) 

São João del-Rei no começo do Século XIX (⁷)

Vendo a riqueza de suas igrejas e edifícios públicos, quem visita as chamadas "cidades históricas" de Minas Gerais talvez venha a discordar de Cunha Matos. Sim, ele pode ter exagerado, mas é inegável: do esplendor da era duplamente áurea da mineração, pouca coisa restou.

(1) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) Muitos engenhos do interior do Brasil eram, nesse tempo, voltados à produção de cachaça, sem exclusão, porém, de açúcar e rapadura. 
(3) MATOS, Raimundo José da Cunha. Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão Pelas Províncias de Minas Gerais e Goiás Tomo I. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional, 1836, pp. 183 e 184.
(4) MAGALHÃES, José Vieira Couto de. Viagem ao Rio Araguaia. Goiás: Tipografia Provincial, 1864, p. 212.
(5) A mudança da capital de Minas Gerais para Belo Horizonte ocorreu em 1897.
(6) MATOS, Raimundo José da Cunha. Op. cit., Tomo II, p. 60.
(7) DENIS, Ferdinand. Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1837. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.



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2 comentários:

  1. Marta,
    adorei as imagens e
    todo conteúdo.
    É sempre um aprendizado.
    Bjins
    CatiahoAlc.

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    Respostas
    1. Olá! É bom vê-la por aqui. Tenho lido os posts de seus blogs...
      Um abraço!

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