O sepultamento em cemitérios, e não no interior de igrejas, encontrou longa resistência entre a população
Pode até parecer um teste escolar, mas quero que vocês, leitores, vejam as declarações abaixo e digam se concordam com elas ou não.
Aqui estão:
- Ninguém faz leis para proibir algo que jamais acontece.
- Toda lei é feita para ser obedecida.
- Se uma lei existente não foi revogada, não há necessidade de criar lei semelhante ou idêntica.
Então, o que pensam? Enquanto vocês fazem suas reflexões, vou lembrando que, no Brasil, algumas leis demoraram a "pegar". Foi o caso, por exemplo, da proibição de escravizar indígenas. Por séculos, leis e mais leis foram feitas, vedando o cativeiro dos "naturais da terra". A necessidade de repetição é prova conclusiva de que as leis existentes não eram obedecidas. Fenômeno similar ocorreu relativamente à proibição do tráfico de africanos, até que a lei de 1850, reforçada pela pressão internacional, levou à supressão de um dos mais infames comércios que este planeta já viu.
Uma Carta Régia de 14 de janeiro de 1801 determinou que fossem construídos cemitérios, e que, a partir de então, não mais fossem permitidos sepultamentos no interior de igrejas. A tradição, porém, tinha muita força. Afirma-se, por exemplo, que, no Século XVII, Bernardo Vieira Ravasco, irmão do padre Antônio Vieira, foi sepultado sob a laje do altar do Sacramento no convento do Carmo (Salvador - BA), por ter doado aos monges nada menos que vinte arrobas de açúcar da mais alta qualidade (¹), tudo disposto em testamento, para que não se deixasse de executar. Não era excentricidade desse rico e poderoso senhor de engenho: a mania de sepultamentos em igrejas devia-se, em parte, à ideia piedosíssima de que tal prática aumentava as chances no acerto de contas post mortem.
Uma Carta Régia de 14 de janeiro de 1801 determinou que fossem construídos cemitérios, e que, a partir de então, não mais fossem permitidos sepultamentos no interior de igrejas. A tradição, porém, tinha muita força. Afirma-se, por exemplo, que, no Século XVII, Bernardo Vieira Ravasco, irmão do padre Antônio Vieira, foi sepultado sob a laje do altar do Sacramento no convento do Carmo (Salvador - BA), por ter doado aos monges nada menos que vinte arrobas de açúcar da mais alta qualidade (¹), tudo disposto em testamento, para que não se deixasse de executar. Não era excentricidade desse rico e poderoso senhor de engenho: a mania de sepultamentos em igrejas devia-se, em parte, à ideia piedosíssima de que tal prática aumentava as chances no acerto de contas post mortem.
Ora, meus leitores, a lei de 1801 tratou de pôr termo aos tais enterros dentro de igrejas, e isso por uma razão bastante simples: higiene (²). Mas, teria sido prontamente obedecida?
Vejam este convite, publicado no jornal Aurora Paulistana em 31 de julho de 1852, mais de cinquenta anos, portanto, depois da Carta Régia de 1801:
"Os amigos do falecido José Gomes Segurado são convidados para assistirem hoje (31) ao seu enterro que terá lugar às 7 horas da noite na Igreja da Misericórdia, acompanhando o corpo de sua casa [na] ladeira do Porto Geral." (³)
Entendo que, a esta altura, vocês já tiraram suas conclusões. O que mais precisaria eu dizer?
"Os amigos do falecido José Gomes Segurado são convidados para assistirem hoje (31) ao seu enterro que terá lugar às 7 horas da noite na Igreja da Misericórdia, acompanhando o corpo de sua casa [na] ladeira do Porto Geral." (³)
Entendo que, a esta altura, vocês já tiraram suas conclusões. O que mais precisaria eu dizer?
Enquanto o corpo era velado, preparava-se o local do enterro dentro da igreja... (⁴) |
(1) "[...] o secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco [...] foi sepultado no dia 20 de julho de 1697, no altar do Sacramento do Convento do Carmo da Bahia, acima dos degraus, onde os sacerdotes dizem missa; e os religiosos lhe deram esse lugar para jazigo perpétuo, pela oferta que ele fez ao Convento de vinte arrobas de açúcar fino, e do melhor, tiradas perpetuamente do engenho Cotegipe."
MORAES, Alexandre José de Mello. Crônica Geral do Brasil vol. 1. Rio de Janeiro: Garnier, 1886, p. 486.
(2) Corpos e mais corpos eram inumados no interior das igrejas; cada vez que morria alguém, era preciso cavar o piso e remover ossos. Em alguns casos, sepultamentos eram feitos nas paredes. Embora não fosse algo frequente, há relatos de igrejas que tinham cheiro bastante desagradável, e de que, após chuvas torrenciais, ossos eram visíveis em alguns templos.
(3) AURORA PAULISTANA, Ano I, nº 66, 31 de julho de 1852.
(4) A.P.D.G. Sketches of Portuguese Life. London: Geo. B. Whittaker, 1826 (a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog).
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