"Não, dos canhões não foi o eco estrondoso
Que ao índio impôs terror; nem mesmo a morte;
Que mortes e trovões terror não causam
Aos filhos dos sertões, à guerra afeitos.
Que livres deslizavam vida errante;
Foi sim o cativeiro, algemas foram,
Que alguns, ora colonos, de seus pulsos
Aos pulsos dos indígenas passaram;
Alguns, ora colonos, mas que outrora
Em Lísia réus infames se oprimiam
De empestadas prisões nos subterrâneos."
Gonçalves de Magalhães, A Confederação dos Tamoios
Por causa da existência das chamadas "bandeiras de apresamento" formadas por paulistas, há quem pense que a escravização de indígenas ficou restrita à Capitania de São Vicente. Nada mais equivocado: a escravização de ameríndios foi fenômeno generalizado em praticamente todo o território colonial lusitano na América. Além disso, embora muitas expedições para captura de indígenas tenham, efetivamente, partido de São Paulo, também é fato que outras, e até bastante numerosas, foram organizadas em diferentes pontos do Brasil.
Em um documento do Século XVI atribuído a Anchieta encontramos esta observação, relativa à escravização de indígenas na Bahia (¹):
"Poucos [indígenas] escaparam que não fossem escravos, porque uns vendiam aos outros, outros se vendiam a si mesmos, introduzidos todos estes costumes pelos portugueses." (²)
De acordo com a expressão de Pero de Magalhães Gândavo em seu Tratado da Terra do Brasil, era esta a situação quanto ao cativeiro de indígenas em Pernambuco por volta de 1570:
"Esta [Capitania de Pernambuco] se acha uma das ricas terras do Brasil, tem muitos escravos índios que é [sic] a principal fazenda da terra. Daqui os levam e compram para todas as outras capitanias, porque há nela muitos, e mais baratos que em toda a costa [...]." (³)
Ainda quanto a Pernambuco, encontramos, em outro documento, também atribuído a Anchieta, cujo título é Informação da Província do Brasil Para Nosso Padre - 1585 (posterior, então, aos escritos de Gândavo):
"É Pernambuco terra rica, de muitos moradores, trata com açúcar e pau vermelho (⁴), o mais e melhor da costa, no comércio é uma nova Lusitânia, e mui frequentada.
Tem sessenta e seis engenhos de açúcar, e cada um é uma grande povoação e para serviço deles e das mais fazendas terá até dez mil escravos de Guiné e Angola e de índios da terra até dois mil." (⁵)
Nada muito diferente acontecia no Maranhão. No dizer de Ayres de Casal, em 1622 "apresentou o Senado um requerimento em nome do povo, para que [o governador] não consentisse ali os jesuítas, cujos sentimentos acerca dos indígenas não eram favoráveis aos colonistas" (⁶). O mesmo autor, em referência ao Pará, observou:
"O cativeiro dos indígenas, praticado em quase todas as outras províncias, e adotado nesta desde a sua primeira fundação, continuava. Todos os serviços eram feitos pelos braços dos índios, dos quais cada colono caprichava qual havia de possuir maior número. As riquezas calculavam-se pela quantidade destes infelizes, aos quais seus injustos possuidores davam o honesto nome de administrados." (⁷)
Sendo generalizada a escravização dos povos nativos, foram também frequentes os desentendimentos entre colonizadores e missionários jesuítas, uma vez que estes últimos pretendiam manter os índios em liberdade, ou, pelo menos, dentro daquilo que entendiam como liberdade. Não era raro que colonizadores alegassem que os jesuítas queriam ser os únicos com direito a explorar o trabalho dos índios. O confronto ia além: jesuítas precisavam combater outros clérigos, que, não tendo compromisso com a catequese, não tinham escrúpulos em escravizar aqueles a quem chamavam "gentios da terra".
(1) Onde estava a capital do Brasil naquele tempo.
(2) ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 357.
(3) GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil: História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, p. 35.
(4) Referência ao pau-brasil.
(5) ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Op. cit., p. 410.
(6) CASAL, Manuel Ayres de. Corografia Brasílica vol. 2. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817, p. 254.
(7) Ibid., p. 275.
Veja também:
Colonizar, subjugar, expropriar, eis a preocupação do ocupante em qualquer latitude. Ainda, e sempre, a lei do mais forte.
ResponderExcluirUm abraço para si, Marta :)
Sim, até porque o ciclo não se interrompe: povos colonizadores/dominadores já foram, em algum momento, colonizados/dominados, e por aí vai. É a História rsrsrssss...
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