quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Como os antigos romanos descobriram que elefantes podiam morrer

Em luta contra o exército de Pirro, rei do Épiro, que se aliara aos tarentinos, os romanos enfrentaram pela primeira vez, ao que se sabe, os tanques de guerra vivos da Antiguidade: elefantes! Aneu Floro (¹), em Epitome rerum Romanarum, escreveu:
"Para defender a semigrega cidade (²) fundada por lacedemônios, [Pirro] trouxe homens do Épiro, da Tessália e da Macedônia, elefantes, até então desconhecidos, forças de mar, terra e cavalaria." (³)
Pânico geral entre os corajosos romanos. Quem ousaria enfrentar as terríveis criaturas que, sem mostras de caridade, pisoteavam os insignificantes soldados que esboçavam alguma oposição? O pavor campeou entre as forças de Roma até que Caio Minúcio, da Quarta Legião (ainda segundo Floro), ao cortar a tromba de um elefante, demonstrou que os ditos animais podiam ser mortos... 
Cortar a tromba - que ato de bravura! Não pretendo gastar tempo discutindo se os fatos foram mesmo assim. Afinal, Floro escreveu muito tempo depois da guerra contra Pirro. Mas podemos, de sua informação, extrair algumas conclusões:
  • Na memória coletiva dos romanos, a luta contra os elefantes na Batalha de Heracleia (⁴) tinha proporções exageradas (isso não é um trocadilho - mesmo!);
  • O episódio de valentia do soldado Caio Minúcio era reputado como real e notável, ou ninguém mais se lembraria dele;
  • O próprio Floro devia ter fé na autenticidade do episódio, ou não iria adicioná-lo à sua obra, correndo o risco de ser considerado mentiroso;
  • Os conhecimentos de zoologia dos romanos do Século III a.C. eram, no melhor dos casos, sofríveis, e a falta de informação quanto à existência de elefantes comprova que, nesse tempo, o contato de povos da Península Itálica com outras regiões não era expressivo - somos forçados a considerar que, para seus dias, o ousado golpe desferido por Caio Minúcio contra a tromba de um elefante significou, para Roma, mais que um feito militar, foi um grande avanço na ciência. Podem rir, leitores.
O caso é que, depois do susto inicial, os romanos gostaram tanto dos elefantes que, assim que puderam, trataram de incluí-los entre seus recursos bélicos. Mas tiveram problemas: consta que, tendo capturado alguns elefantes dos cartaginenses durante as Guerras Púnicas, os pobres animais acabaram morrendo de fome, porque seus novos senhores não tinham a menor ideia de como deviam alimentá-los. Na guerra ou na paz, o contato com outros povos serviu para ampliar os conhecimentos dos romanos. Posteriormente, elefantes seriam parte importante dos espetáculos circenses para o entretenimento de multidões na capital do Império.

Uma visão humorística do exército de Pirro (⁵)

(1) Este autor romano viveu entre os Séculos I e II d.C.; foi contemporâneo do imperador Adriano.
(2) Tarento.
(3) O trecho citado de Epitome rerum Romanarum é tradução de Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(4) 280 a.C.
(5) BECKETT, Gilbert Abbott à et LEECH, John. The Comic History of Rome. London: Bradbury, Evans and Co., 1851, p. 138. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


Veja também:

2 comentários:

  1. Pirro, o tal da vitória que lhe custou a derrota...
    Interessante apontamento, Marta.

    Uma boa semana :)

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    1. Esse mesmo, o que conquistou uma "vitória de Pirro". E não é sempre assim, nas guerras, mesmo quando, nas aparências, se conquista uma vitória?

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