quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Romanos copiavam o que havia de interessante em outros povos

A simples observação do que ocorria entre muitos povos da Antiguidade é suficiente para que se conclua que, em se tratando de inimigos vencidos, a regra era, tanto quanto possível, apagar até mesmo a lembrança de sua existência. 
Querem um exemplo, leitores? Aconteceu um pouco com a ajuda das intempéries, é fato, mas, após a derrota para uma coligação de medos e caldeus, o espetacular império assírio (¹) foi varrido do mapa. A destruição foi tão completa que, antes das escavações arqueológicas do Século XIX, havia muita gente que julgava sua existência apenas imaginária, qualificando-a uma "fábula bíblica" (²). Vale o mesmo em relação aos hititas. Civilizações inteiras desapareceram ante a fúria dos vencedores, deixando, no melhor dos casos, pouquíssimos vestígios. Triunfadores tinham um orgulho insano de sua pretensa superioridade, e, portanto, julgavam ter o direito de esmagar os traços culturais dos derrotados, ainda que, em si mesmos, esses traços fossem até muito bons. 
Pragmáticos, os romanos não pensavam assim. Sem nenhum constrangimento, assumiam que, se havia algo de bom e/ou útil em outras culturas, a melhor coisa a fazer era copiar. Em um discurso no Senado, Júlio César, conforme relato de Salústio, assim se expressou:
"Nossos antepassados [...], aos quais não faltava nem discernimento e nem coragem, nem por isso, soberbamente, deixaram de adotar instituições alheias, quando pareciam dignas de imitação. Armas e armaduras vieram dos samnitas, insígnias ostentadas pelos magistrados foram copiadas dos etruscos (³); portanto, o que viam de útil, fosse entre aliados ou inimigos, adotavam [...]." (⁴)
Um modelo da paixão dos romanos por tudo o que era notável na cultura alheia pode ser visto a partir da conquista da Grécia. É verdade que os romanos derrotaram os gregos em campo de batalha. Enfeitiçados, porém, pela arquitetura, pela escultura, até pela comida dos sofisticados helenos, a gente rústica de Roma jamais seria a mesma. Nas escolas, os meninos romanos, que até então não iam muito além de aprender a ler, escrever e fazer algumas contas simples, passaram a estudar não somente seu latim materno, mas também o grego. E mais: com o idioma dos vencidos, vieram as aulas de filosofia, de retórica e de outras disciplinas nas quais os gregos tinham construído um saber modelar. À vista disso, talvez seja o caso, meus leitores, de levantar a questão: Em tal cenário, quem foi, finalmente, o autêntico vencedor?

(1) Não faltará quem diga que os assírios mereceram.

(2) Isso ocorria porque quase todas as referências aos assírios, até então conhecidas, estavam na Bíblia.
(3) Samnitas e etruscos eram povos que, assim como os romanos, habitavam a Península Itálica.
(4) SALÚSTIO, Caio. Catilinae coniuratio. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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4 comentários:

  1. Talvez resida aí a explicação do predomínio, durante séculos, do Império Romano. Como em tudo na vida, quando perderam as suas melhores qualidades, associadas, de certa forma, à humildade - reconhecer a mais valia dos outros, para além de pragmatismo, revela alguma humildade - as coisas começaram a descambar.
    Belo apontamento, Marta!

    Um excelente fds :)

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    1. Certamente. A adaptabilidade é um poderoso fator de sobrevivência. O problema dos romanos é que, com o excesso de costumes estrangeiros, acabaram deixando de ser romanos, quero dizer, acabaram pondo de lado aquilo que talvez tivessem de melhor. Um dia desses ainda escrevo um post sobre isso.

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  2. Até adoptaram os deuses gregos, dando-lhes apenas um nome diferente. E ao copiar as coisas boas de outras culturas, fizeram por elas um excelente trabalho de divulgação, levando-as até aos confins do império, junto com as suas estradas e leis!
    Beijinho, Marta, uma linda semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Remontavam suas origens a Eneias, que teria ido à Península Itálica ao fugir da Guerra de Troia. Esse assunto provoca discussões até hoje.
      Sim, fizeram um bom trabalho com a difusão de traços culturais de diferentes povos (à semelhança do que ocorrera, antes, sob o governo de Alexandre Magno, espalhando a cultura grega). O problema dos romanos é que tanto receberam características alheias que acabaram se "desromanizando"... Ruim sob uma perspectiva essencialmente romana, mas não necessariamente um mal, sob a ótica da humanidade.

      Tenha uma ótima semana!

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