quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Insetos na alimentação

Anda na moda incluir insetos nas refeições. Há quem veja neles a solução dos problemas alimentares da humanidade. De minha parte, passo longe: todo esse exército de criaturas com seis patas, um ou dois pares de asas e duas antenas me parece muito mais tolerável andando, voando ou saltando do que assado, frito, ensopado, grelhado ou mergulhado em algum molho.
Entretanto, a presença de insetos como parte da alimentação humana não é exatamente uma novidade. Em diversas culturas foi e é uma prática habitual. Indígenas do Brasil, por exemplo, foram descritos por Anchieta (¹) como grandes apreciadores de formigas tanajuras - assadas, é claro. Antes, porém, de entrar na questão do preparo dos insetos, o missionário jesuíta teve o cuidado de, a seu modo, explicar como eram esses acepipes em potencial:
"Das formigas só parecem dignas de comemoração as que destroem as árvores; estas são chamadas içás: são um tanto ruivas, trituradas cheiram a limão; cavam para si grandes casas debaixo da terra. Na primavera, isto é, em setembro, e daí em diante, fazem sair o enxame dos filhos, quase sempre no dia seguinte ao de chuva e trovoada, se o sol estiver ardente [...]." (²)
Agora, captura e modo de preparo:
"Para ver quando elas saem de suas cavernas [sic] [...] ajuntam-se os índios, que ansiosamente esperam este tempo, tanto homens, como mulheres; deixam as suas casas, apressam-se, correm com grande alegria e saltos de prazer para colher os frutos novos, aproximam-se das entradas dos formigueiros e enchem de água os pequenos buracos que elas fazem [...], e enchem os seus vasos, isto é, certas cabaças grandes, voltam para casa, assam-nas em vasilhas de barro e comem-nas; assim torradas, conservam-se por muitos dias, sem se corromperem." (³)
Para mostrar que entendia mesmo do assunto, Anchieta fez uma revelação:
"Quão deleitável é esta comida e como é saudável, sabemo-lo nós, que a provamos." (⁴)
Satisfeitos, leitores? Vem mais. Vamos à Antiguidade, à Mesopotâmia, à Assíria. Observem este interessante relevo (⁵), descoberto como resultado de escavações arqueológicas do Século XIX, no que se revelou um complexo de construções destinadas à habitação real e administração dos negócios públicos:


Trata-se de uma equipe de serviçais, conduzindo ingredientes para o que seria, com enorme probabilidade, a preparação de um régio banquete. De um grupo maior, destacamos quatro. A semelhança dos trajes faz supor que usavam uma espécie de uniforme. Da esquerda para a direita, o primeiro leva romãs (muito apreciadas por povos da Mesopotâmia na Antiguidade), o terceiro carrega aves e o quarto, coelhos. E quanto ao segundo? Vejam, leitores, no detalhe:


Sim, vocês estão certos! São... Gafanhotos! Enormes, aliás, se o artista que representou essa procissão gastronômica foi fiel às proporções. Ao monarca assírio, só restaria dizer: Bom apetite, majestade!

(1) Em uma carta escrita em São Vicente no ano de 1560, cujo destinatário era o Geral da Companhia de Jesus, padre Diego Laynez.
(2) ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 122.
(3) Ibid.
(4) Ibid.
(5) LAYARD, Austen Henry. A Second Series of the Monuments of Nineveh. London: John Murray, 1853.


Veja também:

4 comentários:

  1. Percepção dos contextos, eis a grande lacuna que pode "driblar" qualquer consideração acerca do passado. Bem sei, o poder de "viajar no tempo" não contemplou todas as criaturas, mas muitas vezes isso apenas encerra uma boa dose de comodismo. Ao fim e ao cabo, não é comummente aceite que não há futuro sem memórias? Então, para que não deleguemos tudo nos outros e tenhamos uma verdadeira percepção das coisas, há que que fazer um esforço para perceber o passado. O futuro agradece.
    Fui demasiado longo, Marta? :)

    Um bom fim de semana :)

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    1. É certo que você, aqui, tem o direito de fazer comentários tão longos quanto quiser, e sempre serão bem-vindos. Quanto ao futuro sem memórias, acho que a sociedade ocidental está cavando um assim: já notou que quase não há mais fotos impressas, apenas efêmeras imagens feitas para compartilhamento em redes sociais? Em seguida, como bolhas de sabão, elas se desmancham, ou perdem o sentido. Só mais tarde, quando quiser resgatar memórias, é que a atual geração vai constatar o quanto perdeu.

      Obrigada por comentar. Tenha um ótimo final de semana!

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  2. O insectos também não me atraem particularmente, apesar de nunca dizer nunca. Até porque planeio voltar à China várias vezes. A vulgarização de insectos como ingrediente gastronómico pode ter, no entanto, algum efeito colateral pois, não raras vezes, eles assumem funções nos ecossistemas que nos passam completamente despercebidas...
    Beijinho, boa semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

    P.S. formigas trituradas que cheiram a limão??

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    1. Bem, já vi içás muitas vezes, mas nunca me ocorreu verificar que aroma exalam rsrsrssssssssssssss... Corre na Internet uma receita de farofa feita com içás. Arghhhh!
      Embora não tenha qualquer intenção de incluir insetos na dieta, não creio que a moda possa causar algum desequilíbrio ambiental: talvez resolvam implantar alguma técnica de criação em larga escala. Teríamos, então, fazendas de formigas, besouros, gafanhotos, com direito a técnicas especializadas e cuidados veterinários. Pode rir: Eu mesma estou achando a ideia engraçada, hahaha...

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