Ainda está escuro, mas os três já vão longe do povoado que se espalha em desalinho pelos morros. Nada de levar escravos, algum deles poderia muito bem dar com a língua nos dentes. Horas depois, param, enxugam o suor, olham em volta.
- É aqui?
- Parece...
Nem se lembram do magro lanche que trouxeram. O som das picaretas batendo contra o solo rude atravessa a vastidão do cerrado. O marulho da água do córrego não ajuda muito a abafar o ruído. Uma nuvem de pó os envolve. Procuram ouro, todo mundo procura, poucos encontram, e menos ainda são os que informam seus achados à administração colonial.
Suados, a respiração arfante, só interrompem a busca para refrescar a garganta, que se ressente da poeira. Enquanto dois trabalham no desmonte da terra, o terceiro vai fazendo as provas.
- Nada, ainda?
- Nada que compense.
Voltam ao trabalho.
- Parece que tem coisa aqui!... É, aqui!
Não têm tempo para entusiasmo: à distância, ouve-se o ganido de um cão. Os olhares se cruzam, assim, desconfiados, como quem suspeita da própria sombra. Quem vem lá?
Os latidos se aproximam. Atrás, um grupo caminha sem pressa. Talvez estejam caçando. Ou...
Os três homens recolhem as ferramentas e se esgueiram rente ao capinzal, a respiração entrecortada de medo e cansaço. Colado ao chão, um deles corre os dedos nervosamente pelo cabo da faca presa à cintura.
Os passos estão cada vez mais próximos. O ziguezague do cãozinho que, à frente, fareja o ar com insistência, mostra que estão chegando. Junto ao córrego, param para beber. Quase sem conversa, retomam a marcha e vão sumindo, sumindo. Parecem não dar muita importância às pedras e terra revolvidas. Por toda parte, mineradores esgravatam o terreno. Não há nada a temer. Quem iria ter a ideia de policiar um lugar desses? Logo não podem mais ser vistos. Ficam só a mataria retorcida e o sol que sobe causticante.
Lentamente, o trio se levanta e volta a revirar a terra.
- Quilombolas?!
Com o arco das sobrancelhas, um deles diz que sim.
Denunciá-los? Nem pensar. Seria entregar o ouro. Jamais a expressão fez tanto sentido.
Veja também:
por que parece errado a busca pelo ouro se o q tem não foi colocado lá pelos donos de terras?
ResponderExcluirOlá, Unknown, a questão, neste caso, não era de certo ou errado, mas de legal ou ilegal. Havia leis que regiam a procura do ouro, determinando que toda descoberta deveria ser imediatamente comunicada às autoridades coloniais, que se encarregavam de conceder o direito de explorar jazidas - nem tudo era dado ao descobridor. Além disso, era necessário pagar os "Reais Quintos", ou seja, uma parte do ouro extraído deveria ir para a Coroa Portuguesa. É por isso que a procura por jazidas auríferas era feita, com frequência, às escondidas, para que não se fizesse a distribuição de áreas para exploração segundo as leis e para fugir ao pagamento dos impostos.
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