Acossados por hordas de bandeirantes paulistas (¹), missionários jesuítas e indígenas que viviam nas reduções do Guayrá fugiram para uma região mais ao sul, onde, supunham (²), estariam em segurança. Lá teriam, porém, que enfrentar dois inimigos poderosos: a fome e o frio.
Como prover alimento suficiente para todos, em uma terra ainda não cultivada? Desnecessário é dizer que os primeiros tempos foram terríveis. Para comprar sementes que pudessem plantar, os padres abriram mão de tudo o que era possível vender: "Vendemos nossos livros, sotainas e mantos, ornamentos cálices e adornos de igrejas, enviando-os a Asunción, em troca de sementes para que semeassem", escreveu o jesuíta Antonio Ruiz de Montoya (³).
Foi preciso vigilância severa para que as sementes não fossem devoradas, tal era a situação de miséria entre os indígenas. Com o correr dos meses, as primeiras colheitas trouxeram o alívio tão esperado. "Chegou a primavera", contou Montoya, "depois de rigorosa estiagem, começou-se a trabalhar varonilmente, cada um fez duas ou três roças, e a terra começou a oferecer seus frutos [...]. Compramos alguns porcos, patos, galinhas e pombas, [...] de que se encheu [...] aquela terra com uma singular abundância [...]." (⁴)
Ao sul, as temperaturas durante o inverno eram, em média, significativamente inferiores às que predominavam nos lugares originais das reduções. Havia urgência, pois, em prover agasalho para indígenas e missionários, sabendo que ali as colheitas de algodão não se provariam animadoras e que, além disso, trajes de algodão, apenas, não seriam suficientes. Assim, os inacianos trataram de arranjar ovelhas, na intenção de obter lã: "Já que o algodão não produz muito bem pelo rigor da geada, que o mata às vezes, me aventurei a comprar mil e oitocentas ovelhas, para que com a lã e o algodão fizessem roupas, ainda que não se obtiveram todas [as ovelhas], porque uns índios bárbaros, tirando a vida ao padre Pedro de Espinosa, roubaram também parte das ovelhas." (⁵)
Portanto, a despeito das dificuldades e do receio sempre presente de novos ataques bandeirantes, com medidas de estímulo à agricultura e à criação de animais as reduções foram se reorganizando durante a quarta década do Século XVII. Não podemos negar, leitores: os jesuítas eram perseverantes.
(1) Bandeirantes começaram a atacar as reduções do Guayrá em 1628. Portanto, os acontecimentos de que tratamos aqui são posteriores a essa data. O padre Antonio Ruiz de Montoya foi à Espanha em 1638 para dar queixa dos bandeirantes vindos de São Paulo que atacavam as reduções, problema tanto mais grave quanto autoridades coloniais no Paraguai, que, por suposto, deveriam favorecer a catequese de indígenas, pouco ou nada realizavam para barrar os escravizadores de ameríndios, levando os missionários à convicção de que, por interesses escusos, faziam causa comum com os paulistas.
(2) Não passou de suposição, como os anos à frente vieram demonstrar.
(3) MONTOYA, Antonio Ruiz de S.J. Conquista Espiritual Hecha por los Religiosos de la Compañia de Jesus. Madrid: Imprenta del Reyno, 1639.
(4) Ibid.
(5) Ibid. Os trechos citados de Conquista Espiritual Hecha por los Religiosos de la Compañia de Jesus foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
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