Para muitos missionários que se dedicavam à catequese de indígenas nos Séculos XVI e XVII, a vinda à América do Sul era uma viagem sem volta. Longe ficavam família, amigos, possibilidade de uma carreira de sucesso. À frente, o desconhecido. Para uns poucos, vida longa e a satisfação de ver o crescimento de uma obra que julgavam correta e mesmo indispensável (¹). Para a maioria, a pobreza extrema, os confrontos com indígenas e colonizadores, as doenças tropicais e, provavelmente, a morte precoce. Valia o mesmo para missionários nascidos na América.
Não havia a expectativa da chegada regular de suprimentos, até porque as viagens, nesse tempo, eram difíceis. Portanto, para o sustento diário, era preciso contar com o trabalho das próprias mãos e com a ajuda dos índios catecúmenos. Qualquer coisa diferente disso era vista como excepcional. Combatendo a escravização de indígenas, os missionários eram considerados por colonizadores como um entrave aos seus projetos de enriquecimento rápido, de modo que, entre a gente de origem europeia que se estabelecia na América, apenas os mais devotos estavam dispostos a cooperar com o sustento dos padres para a manutenção de reduções.
Se quisermos saber como viviam os missionários nas reduções do Guayrá, devemos ir aos documentos deixados pelos próprios padres. A título de exemplo, veremos aqui o relato feito pelo jesuíta Antonio Ruiz de Montoya (²), por ocasião de uma visita aos padres José Cataldino e Simon Masseta na Redução de Nossa Senhora de Loreto (³):
"Cheguei à redução de Nossa Senhora de Loreto desejando ver aqueles dois homens notáveis, o padre José e o padre Simon. Encontrei-os pobríssimos, mas ricos de alegria. Por causa dos remendos, não era possível distinguir o tecido principal de suas roupas. Os sapatos, que haviam trazido do Paraguai, estavam remendados com pedaços de pano que cortavam da borda das sotainas." (⁴)
Isto quanto ao vestuário. Quanto à alimentação:
"O principal sustento eram batatas, bananas, raízes de mandioca [...]. A necessidade nos obrigou a semear com nossas mãos o trigo necessário às hóstias." (⁵)
A vida na América do Sul, nesses tempos, não era, portanto, muito parecida com tirar férias no paraíso. Se podemos crer no testemunho de Montoya, outro jesuíta, o padre Martin Urtazun, também missionário, veio a morrer, algum tempo depois, em consequência de severa desnutrição. Era já o Século XVII. No centênio precedente, entre os colonizadores que acompanharam D. Pedro de Mendoza na fundação de Buenos Aires, muitos morreram de fome. Os jesuítas talvez morressem com os olhos na eternidade. Para os "conquistadores" da América, porém, os reveses da vida colonial eram uma amarga decepção.
(1) Aqui, leitores, analisamos os fatos de que temos conhecimento através de documentos históricos. Não é intenção deste blog estabelecer juízo de valor em relação à catequese de indígenas.
(2) Montoya, filho de um espanhol de Sevilha, nasceu em Lima em 1582 e foi admitido na Companhia de Jesus em 1606. Passou a maior parte da vida envolvido na catequese e defesa dos indígenas contra a escravização perpetrada tanto por colonizadores espanhóis do Paraguai como por bandeirantes de São Paulo.
(3) Reputada por alguns como a mais antiga redução estabelecida no Guayrá; outros entendem que a primeira foi a de Santo Inácio.
(4) MONTOYA, Antonio Ruiz de S.J. Conquista Espiritual Hecha por los Religiosos de la Compañia de Jesus. Madrid: Imprenta del Reyno, 1639.
(5) Ibid. Os trechos citados de Conquista Espiritual Hecha por los Religiosos de la Compañia de Jesus foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
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