Remos de uso indígena, etnia tukano (São Gabriel da Cachoeira - AM) |
Antes que uma expedição ao interior começasse, eram os ameríndios que faziam canoas; eles mesmos, mais tarde, empunhariam os remos, já que, não havendo estradas, os rios eram as vias de escolha, por onde as embarcações, feitas cada uma de um só tronco, deslizavam com incrível velocidade. Cachoeiras à frente? Eram os nativos que removiam as cargas, transportavam-nas por terra e faziam passar as canoas. Para completar as refeições de campanha, lá iam indígenas à caça.
É possível ter uma ideia do que acontecia pelo relato de um jesuíta do Século XVIII, o padre José de Moraes:
"Aqui será bem que se note que os índios são os que fazem as canoas, as toldam, as calafetam, os que as velejam, os que as remam, e muitas vezes [...] os que as levam às costas, e os que cansados de remar as noites (¹) e os dias inteiros vão buscar o que hão de comer eles e os portugueses (que é sempre o mais e melhor), os que lhes fazem as casas (²), e se se há de marchar por terra os que lhes levam as cargas e ainda as armas às costas." (³)
Isso não quer dizer que africanos escravizados não fossem, sob algumas circunstâncias, também incluídos entre os que faziam o trabalho pesado nas entradas, tampouco seria razoável desconsiderar que colonos de origem europeia precisavam, a bem da sobrevivência, "colocar a mão na massa". Mas o interior do Brasil era repleto de armadilhas naturais para quem o desconhecia, daí o valor daqueles que sabiam, como ninguém mais, ali viver. Como eram premiados tão notáveis serviços? Vejamos, leitores, o que mais escreveu José de Moraes:
"Tudo isto fazem os tristes índios sem paga alguma mais que o chamarem-lhes cães e outros nomes muito mais afrontosos, e o melhor galardão que podem tirar dessa jornada os miseráveis é acharem (o que poucas vezes acontece) um cabo (⁴) que os não trate tão mal. Jornada tem havido em que dos índios que partiram não voltaram a metade [sic], porque a puro trabalho e mau-trato os mataram." (⁵)
(1) Em virtude do calor durante o dia, no norte do Brasil as viagens eram feitas frequentemente durante as horas da noite.
(2) Abrigos temporários construídos com troncos e folhas de árvores.
(3) MORAES, José de S.J. História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Typographia do Commercio, 1860, p. 464.
(4) Chefe de expedição ao interior.
(5) MORAES, José de S.J. Op. cit., p. 464.
Que dizer? Por bem fazer, mal haver.
ResponderExcluirO certo é que, por mais voltas que o mundo desse, os colonizadores consideravam-se superiores, acima de qualquer espécie, e agiam de acordo com o que pensavam. Pobres tempos, de tão parca luz!
(As coisas pouco ou nada mudaram nos tempos que decorrem. Por mais que o mundo avance, o dinheiro e as armas continuam a ser a essencial fonte de poder. Continuamos na estaca zero.)
Tenha uma boa semana, Marta :)
Sim, as mudanças, quando acontecem, são apenas na superfície. Na essência, é difícil haver alteração.
ExcluirTenha uma ótima semana!
Triste realidade. Pensar que continuam a ser sofrer discriminação ou a serem confinados em reservas é motivo de tristeza e reflexão
ResponderExcluirNo Brasil, especificamente, a maior luta é para que as áreas demarcadas sejam respeitadas.
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