Podem os animais interferir na vida política de uma grande potência? Se acreditarmos no que escreveu Maneton, ao tratar das dinastias que governaram o Egito na Antiguidade, a resposta será, necessariamente, afirmativa.
Porém, antes que nos ocupemos dos animais, talvez seja útil dizer alguma coisa sobre o próprio Maneton, nossa fonte de informação. Quem foi ele? Embora haja divergências, a opinião de maior fundamento é a de que foi um sacerdote egípcio que viveu por volta do Século III a.C. e que, a pedido de Ptolomeu I Sóter, general de Alexandre Magno que veio a ser governante do Egito, produziu, com base nos registros sagrados, um relatório (¹) dos monarcas que, desde os tempos mais remotos, haviam exercido o mando na região do Nilo. Este é, portanto, o contexto dos escritos de Maneton, dedicados ao rei estrangeiro (macedônio), que precisava da ajuda da elite sacerdotal para conhecer alguma coisa da história e cultura do país que pretendia governar.
Voltemos, agora, ao assunto da intromissão dos animais na política. De acordo com Maneton, "a primeira sequência de reis {primeira dinastia que governou o Egito] enumera oito reis, sendo Menes de Teinite o primeiro, e reinou durante sessenta e dois anos. Morreu ferido por um hipopótamo".
Leitores, Maneton não tinha nenhuma intenção de gracejar. Embora não saibamos se tudo aconteceu assim mesmo, parece que, naqueles dias, não era algo muito constrangedor que a sucessão ao trono fosse aberta porque um hipopótamo havia trucidado o monarca reinante. Pensem em todas as intrigas palacianas que costumavam cercar a ascensão ao poder de um novo faraó, e vejam de que um hipopótamo foi capaz!
Time flies... Chegamos à nona dinastia, da qual Aktoes foi o primeiro faraó, segundo a cronologia de Maneton:
"Aktoes foi pior do que todos os que vieram antes dele. Foi muito mau para os egípcios. Enlouqueceu e foi morto por um crocodilo."
Reconheçamos o mérito desse réptil: prestou um serviço à humanidade. Quem dera sua nobre ação houvesse servido de advertência para todos os mandatários perversos que viveram pelos séculos e milênios seguintes!
Vigésima quarta dinastia, e já vamos acabando (ainda que as dinastias não tenham chegado ao fim): "Bonkoris, saíta, reinou por seis anos. Uma ovelha falou." Menos agressiva que um hipopótamo ou um crocodilo, a criaturinha ovina não teve a capacidade de mandar para o Além algum filho de Rá. Um registro como esse fica aqui para mostrar que tipo de informação os antigos egípcios valorizavam e que não coincide, necessariamente, com aquilo que gostaríamos de saber. O conceito de História, deles e nosso, não é e nem poderia ser o mesmo.
Hipopótamo e crocodilo em gravura do Século XVI (²) |
(1) Infelizmente, apenas fragmentos de sua obra são conhecidos na atualidade. Os trechos citados foram traduzidos por Marta Iansen para uso
exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) GESNER, Conrad. Icones Animalium Quadrupedum Viviparorum et Oviparorum. Zürich: Christof Froshover, 1560, p. 82.
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(2) GESNER, Conrad. Icones Animalium Quadrupedum Viviparorum et Oviparorum. Zürich: Christof Froshover, 1560, p. 82.
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