segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Por que comerciantes enriqueciam nas minas

A possibilidade de enriquecimento rápido atraía muita gente para as minas nos tempos coloniais, e mesmo posteriormente. Procurar ouro e outras riquezas minerais era, porém, um empreendimento arriscado, que requeria investimento em equipamentos e escravos. Ora, sabe-se que bastava uma doença que levasse muitos escravos à morte para que o minerador ficasse em situação difícil, em particular se houvesse feito algum empréstimo para começar o trabalho nas lavras. Além disso, quem é que podia prever com absoluta certeza que uma data, ou seja, um terreno supostamente aurífero, iria proporcionar um bom rendimento?
Havia nas minas, porém, alguns habitantes que raramente tinham prejuízo: eram os comerciantes. 
Esses indivíduos não andavam atrás do sonho de topar, a qualquer momento, com uma quantidade enorme de ouro. Não, nada disso. Seu negócio era levar às minas os alimentos, o vestuário, as ferramentas, e mesmo alguns artigos de luxo que os mineradores iriam comprar. 
Expliquemos. Quem procurava ouro ou diamantes, não pensava em manter uma parte dos trabalhadores disponíveis cuidando de uma lavoura de subsistência. Todos os escravos eram ocupados na tentativa de arrancar da terra a riqueza mineral que se supunha existir. Por isso, nas minas chegava a faltar comida, e havia gente que quase morria de fome em meio ao ouro que procurava. Era aí que entrava em cena o comerciante, um sujeito que investia o capital de que dispunha em carregar às minas os artigos que sabia que poderia vender a preços exorbitantes. Como em todo empreendimento, havia algum risco, mas era muito pequeno, quando comparado àquele que corriam os mineradores.
É verdade que, para ser comerciante, era preciso ter dinheiro para comprar as mercadorias que seriam revendidas nas minas, bem como para fazê-las chegar ao destino, sempre às costas de muares, como era costume na época. Mas, conforme explicou Hércules Florence, desenhista francês da Expedição Langsdorff (¹), mesmo aqueles que não dispunham de grandes recursos podiam começar uma pequena atividade comercial, e acabariam prosperando, desde que tivessem aptidão para o ramo:
"[...] Estabelecem uma venda e metem-se a vender cachaça, panelas, rolos de fumo e bananas. No fim de um ou dois anos, transformam-se em negociantes, fazem o comércio de diamantes e não tardam a ficar ricos." (²)
Cabe observar que, entre um vendedor de cachaça e um grande comerciante de charque ou de gado para abate (³), por exemplo, ia uma enorme diferença. Além disso, é inegável que havia comerciantes que enriqueciam porque, paralelamente às atividades lícitas, realizavam o comércio ilegal (contrabando) de ouro não quintado e/ou de diamantes. Por outro lado, se uma lavra não rendia muito e era abandonada, aos comerciantes do lugar era melhor que arrumassem seus pertences e mercadorias e tratassem de tentar a vida onde novas jazidas fossem encontradas. Do contrário, veriam seus lucros minguarem tanto quanto as minas que ficavam desertas. 
Que dizer, então? Eram ossos do ofício...

Mercadores e viajantes no Brasil do Século XIX (⁴)

(1) Expedição de caráter científico, financiada pelo governo russo. Percorreu parte considerável do Brasil pouco depois da Independência.
(2) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 201.
(3) Era muito difícil levar gado vivo até as regiões mineradoras e, por essa razão, o preço da "carne verde" era altíssimo; portanto, tornou-se comum trazer charque (carne-seca), que também vinha de longe, mas era mais fácil de transportar. 
(4) DENIS, Ferdinand. Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1837. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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