Proibia-se a exportação para o Reino de gêneros que fizessem concorrência aos produtos do Oriente
Mesmo os pequenos estudantes de História do Brasil aprendem na escola que, durante boa parte dos chamados tempos coloniais, a produção das terras brasileiras devia ser sempre de caráter complementar à economia da Metrópole, sem jamais gerar concorrência. Afinal, não seria interessante se, da América, viessem mercadorias que podiam ser obtidas através do comércio relacionado à "carreira da Índia". Veremos, então, meus leitores, dois exemplos práticos dessa questão.
Gabriel Soares, em seu Tratado Descritivo do Brasil em 1587, explicou que o cultivo de gengibre (Zingiber officinale) na Bahia mostrou-se esplendidamente adaptado às condições de clima e solo; entretanto, como uma ordem real proibiu a sua exportação, as plantações foram abandonadas:
"Da ilha de São Tomé levaram à Bahia gengibre, e começou-se a plantar obra de meia arroba dele, repartindo por muitas pessoas, o qual se deu na terra de maneira que daí a quatro anos se colheram mais de quatro mil arrobas, a qual é com muita vantagem do que vem da Índia, em grandeza e fineza, porque se colheu dele penca que pesava dez e doze arráteis, [...], do qual se fazia muita e boa conserva, do que se não usa já na terra por El-Rei defender que o não tirem para fora. Como se isto soube o deixaram os homens pelos campos, sem o quererem recolher, e por não terem nenhuma saída para fora apodreceram na terra [...]." (¹)
Outro caso interessante está relacionado à canela (Cinnamomum zeylanicum), famosíssima especiaria tipicamente oriental. No governo-geral de Luís César de Meneses (cujo mandato teve início em 1705 e foi até fins de 1709), resolveu-se incentivar no Brasil o plantio e cultivo de cravo-da-índia e canela. As técnicas apropriadas foram ensinadas por frei João da Assunção, franciscano, que veio ao Brasil (desde a Ásia) especialmente para isso.
Acontece, porém, que cultivar canela no Brasil já fora alvo de uma proibição anterior. Motivo? Suprimir qualquer possibilidade de concorrência à canela que, do Oriente, era levada ao Reino. Explicou, no começo do Século XIX, o Padre Ayres de Casal:
"As caneleiras transportadas da Ásia e cultivadas com algum cuidado no princípio da colonização foram pouco depois destruídas por ordem régia, a fim de conservar o comércio oriental. O erro foi conhecido, passados tempos; hoje recomenda-se a multiplicação das que nasceram das raízes; cumpre fazer experiências acerca do terreno em que devem ser cultivadas com preferência, pois que da qualidade dele depende a do vegetal. A melhor canela do Oriente é a dos terrenos secos." (²)
(1) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, pp. 157 e 158.
(2) CASAL, Manuel Ayres de. Corografia Brasílica vol. 1. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817, p. 104.
Veja também:
A estratégia político-económica sempre a interferir na agricultura. Aqui na Europa ainda hoje sofremos com isso, não em termos de proibição, mas pela falta de apoios.
ResponderExcluirAbraço Marta
Ruthia d'O Berço do Mundo
À exceção de uns poucos lugares, é um problema mundial. Só se percebe o dano de uma política econômica equivocada quando o estrago já e grande, e mesmo irreversível.
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