terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Uma propriedade agrícola ideal nos velhos tempos de Roma

Como deveria ser uma propriedade agrícola ideal, por volta do Século II a.C.? A resposta pode ser encontrada nas palavras de Marco Pórcio Catão (¹), também conhecido como "o censor", em sua obra De agri cultura (²):
"Esforça-te por encontrar um lugar de clima favorável, no qual as tempestades devastadoras não sejam frequentes, e em que o solo seja bom por natureza. Tanto quanto possível, tua fazenda deverá estar no sopé de uma montanha (³), voltada para o Sul, em terreno salubre, com fartura de trabalhadores e animais, com água de boa qualidade e perto de uma cidade populosa, ou do mar, ou ainda de um rio navegável, ou nas proximidades de uma estrada movimentada." (⁴)
Pressupondo a compra de uma fazenda já estabelecida, e não de terras virgens em que tudo estivesse por fazer, este pequeno texto faz revelações interessantes sobre a vida nos velhos tempos de Roma. Vejamos:
1. Se nós, no Século XXI, estamos longe de controlar o humor das condições climáticas, muito maiores eram as preocupações daqueles que, como Catão, viviam entre os Séculos III e II a.C.; portanto, seria bom procurar um lugar em que as tempestades não fossem usuais, já que meteorologia, como hoje a entendemos, era coisa inexistente, ainda que, desde dias remotos, houvesse quem, mediante observação e estudo, tentasse encontrar alguma lógica no caos aparente que dominava as estações, a temperatura ambiente, a pluviosidade e outros fenômenos correlatos - embora o usual fosse atribuir tudo isso à boa ou má vontade dos deuses.
2. Ainda que os antigos já conhecessem métodos para melhorar o solo, o lucro viria mais rápido se a terra fosse de boa qualidade, longe de áreas pantanosas que, naqueles tempos como hoje, eram habitação de insetos transmissores de doenças. Não se sabia ainda muita coisa sobre isso, mas havia, já, a consciência de que alguns lugares favoreciam a propagação de enfermidades.
3. Povos da Antiguidade conheciam alguns equipamentos agrícolas, porém a maior parte do trabalho dependia da força muscular de homens, muitas vezes escravizados (⁵), e de animais de carga, daí a importância de adquirir uma fazenda que, de antemão, tivesse uma provisão respeitável de trabalhadores, humanos e não humanos.
4. Um suprimento confiável de água era (e continua a ser) condição necessária à agricultura. Não é surpresa, pois, que muitas comunidades da Antiguidade tenham nascido justamente nas imediações de rios.
5. Finalmente, Marco Pórcio Catão deixa claro que tinha conhecimento da necessidade de um mercado consumidor para tudo o que uma propriedade agrícola produzisse. Sua fazenda ideal era destinada a dar lucro, e não à recreação do proprietário e de sua família. Portanto, ou a produção seria vendida em alguma cidade populosa nas imediações, ou seria o caso de comprar terras que permitissem escoar o que se produzia através dos meios de transporte da época, fossem eles terrestres, marítimos ou fluviais, daí a menção à necessidade de estar perto do mar ou de um rio, ou talvez de uma estrada importante. Levando em conta as condições do litoral da Península Itálica, é provável que Catão considerasse a possibilidade de fazer a produção chegar, mediante navegação de cabotagem, até centros populosos não muito distantes. Não havia, na época, métodos eficientes de conservação de alimentos frescos que permitissem seu transporte para áreas remotas, daí a relevância da produção local para o abastecimento de uma comunidade.
Vejam, leitores: a análise desse breve trecho da obra de Catão deixa claro que, já em seus dias, havia uma variedade de fatores envolvidos na aquisição de terras para a lavoura. A sociedade romana, com as correspondentes exigências econômicas, estava a tornar-se mais e mais complexa, e isso requeria de qualquer candidato a fazendeiro alguns conhecimentos que poderiam fazer a diferença entre o fracasso e o sucesso de um empreendimento. Foi nesse sentido que Catão julgou ser útil a Roma, registrando seus conselhos de forma escrita.

(1) 234 - 149 a.C.
(2) Também conhecida como De re Rustica. Preferi, aqui, De agri cultura, para evitar confusão com a obra posterior de Columela (Século I).
(3) Se Catão houvesse vivido uns dois séculos mais tarde, talvez acrescentasse uma observação no sentido de evitar a proximidade de vulcões, a despeito das aparentes vantagens que tal localização pudesse oferecer.
(4) O trecho citado de De agri cultura foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(5) O afluxo de prisioneiros de guerra, em consequência do sucesso de Roma nas campanhas militares, tornou habitual o emprego de mão de obra escrava; Marco Pórcio Catão foi um contemporâneo desse fenômeno. 


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