As vitórias militares de Roma corresponderam, em muitas ocasiões, à completa ruína dos povos derrotados. O destino dos prisioneiros de guerra, como regra, resultava em uma das seguintes situações:
- Execução sumária, em particular no caso dos chefes, como medida para impedir que as forças inimigas se reorganizassem;
- Escravização para trabalho em obras públicas;
- Muitos eram vendidos em mercados de escravos (a chegada de um grupo de cativos era vista como espetáculo público, especialmente se os escravizados tinham características físicas diferentes daquelas que eram usuais entre romanos);
- Soldados vencedores recebiam prisioneiros como prêmio e podiam dispor deles como julgassem conveniente, quer conservando-os a seu serviço, quer vendendo-os para quem pagasse bem.
Embora os antigos não costumassem registrar as quantidades de escravizados segundo critérios que nós, hoje, reputamos corretos, é possível ter uma ideia aproximada do que acontecia a cada grande vitória, em virtude de relatos da época. O próprio Júlio César, em De Bello Gallico, deixou informações muito úteis, e é assim que sabemos que, em certa ocasião (¹), foram vendidos como escravos nada menos que cinquenta e três mil prisioneiros de guerra. Depois de derrotar gauleses em uma batalha naval, César julgou apropriado impor uma punição severa, por entender que embaixadores de Roma haviam sido desrespeitados: "Todos os líderes idosos foram executados e os demais prisioneiros foram vendidos como escravos" (²). E, ainda na mesma obra, é dito que, depois de derrotar Vercingetórix, César recompensou cada soldado romano com um prisioneiro de guerra (³).
Assim, guerra após guerra, Roma estendia seus domínios e multidões de prisioneiros eram trazidas para escravização, de modo que, com o correr do tempo, grande parte do trabalho passou a ser feito por mão de obra cativa. A população pobre, mas livre, já não encontrava ocupação remunerada. Outras multidões, dessa vez compostas por romanos desocupados, afluíam à capital. Os problemas sociais eram inevitáveis. Tácito, no livro quarto dos Annales, lembrou que, ao tempo em que Tibério era imperador, "os escravos [eram] uma multidão que crescia imensamente e pouco o povo de condição livre" (⁴). Era preciso, portanto, que o Estado assumisse a obrigação de alimentar e entreter os homens livres que andavam desocupados, sob pena de uma revolta social de dimensões catastróficas. Periodicamente, eram feitas distribuições de cereais. O exército ocupava uma parte dos homens livres, enquanto espetáculos públicos sangrentos divertiam multidões que tinham excesso de tempo e falta do que fazer.
Mas não era só. A entrada de tantos escravos estrangeiros ia, gradualmente, descaracterizando aquilo que se poderia chamar de "cultura romana", além de ser contínuo o temor de uma rebelião. Caio Cássio, falando no Senado romano em 62 d.C., sendo Nero o imperador, observou: "Temos fâmulos [escravos] de todas as nações, que vêm de costumes os mais variados, de religiões estrangeiras ou sem nenhuma religião, e é somente sob coerção que podemos mantê-los em obediência [...]." (⁵)
Reconhecia-se a necessidade da força para manter tantos cativos em subordinação à minoria romana. No entanto, até mesmo o exército ia, gradualmente, admitindo estrangeiros, pois, do contrário, não haveria soldados em número suficiente para as tentativas de preservar a ordem nas fronteiras. Roma se tornara tão grande que já não conseguia ser Roma. As rupturas no tecido social que constituía o Império preparavam caminho para seu declínio e queda.
(1) De Bello Gallico, Livro Segundo.
(2) Ibid., Livro Terceiro.
(3) Ibid., Livro Sétimo.
(4) Annales, Livro Quarto.
(5) Ibid., Livro Décimo Quarto.
Os trechos de De Bello Gallico e dos Annales aqui citados foram traduzidos por Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
Os trechos de De Bello Gallico e dos Annales aqui citados foram traduzidos por Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
Veja também:
Visto à distância, Roma cavou o seu próprio declínio, ao pretender que todos os povos limítrofes fossem seus servidores. No entanto, se repararmos bem, a civilização actual baseia-se exactamente no mesmo. Adivinha-se novo declínio?
ResponderExcluirUm bom domingo, Marta :)
Não são poucos os historiadores que entendem que sim.
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