Robert Southey, historiador britânico que escreveu longamente sobre o Brasil, observou, em relação à tentativa holandesa de ocupação do Nordeste açucareiro e correspondente luta da população de origem portuguesa para manter o controle do território, que "duas nações se disputavam um império não menor em extensão do que a Europa civilizada, e nunca de ambos os lados chegaram as forças a quinze mil homens." (¹)
É difícil determinar com exatidão o número de homens mobilizados pela Insurreição Pernambucana; empregava-se a tática de guerrilhas, eram numerosos os chefes locais, além dos "grandes nomes", é claro, e havia gente que ia e vinha do "exército", sempre que a conveniência e/ou a necessidade requeria sua presença nos engenhos. Não obstante, pode-se considerar que, em linhas gerais, a ideia de Southey está correta, se entendermos que esse autor queria simplesmente dizer que, nem entre holandeses, nem entre portugueses, as tropas eram muito numerosas.
Por quê?
A lista de razões pode incluir vários motivos, dentre os quais:
- A população de origem europeia era ainda reduzida no Brasil;
- As viagens da Europa à América eram difíceis e o custo para aparelhar uma frota era muito elevado;
- Sendo Portugal e Holanda países territorialmente pequenos, não dispunham de um enorme excedente populacional que pudessem remeter para a luta no Brasil;
- Para suprir a falta de um exército essencialmente holandês, a Companhia das Índias Ocidentais tinha por costume contratar mercenários de diversas nacionalidades, gente que em várias ocasiões se dispôs a "trocar de lado", sempre que o inimigo insinuasse pagar um soldo mais interessante ou oferecesse alguma outra vantagem;
- Para formar os corpos de combatentes que lutaram para expulsar os holandeses de Pernambuco eram recrutados quaisquer homens que pudessem pegar em armas, o que significa que a maioria não tinha formação militar e teve de aprender o ofício no próprio calor da luta;
- Para suprir a falta de soldados, os comandantes de ambos os lados incluíam indígenas e escravos africanos em suas forças, mas, em caso de derrota, eram eles, geralmente, os que mais sofriam, já que africanos eram sempre reconduzidos à escravidão e indígenas, como regra, eram sumariamente degolados.
A dúvida que talvez esteja em mais de uma cabeça é: Por que, afinal, portugueses e holandeses estavam dispostos a vir de tão longe para disputar essa região da América? Vejamos, então, que a causa do confronto, em seu nível primário, estava relacionada a uma questão puramente comercial. Vender açúcar na Europa era muito lucrativo, e, se fosse possível controlar diretamente a produção açucareira, os lucros seriam ainda maiores. Sim, havia outros fatores, mas eram secundários, e, portanto, subordinados a este aspecto mercantil.
É verdade que a Companhia das Índias Ocidentais iniciou a ocupação de Pernambuco em 1630 (²), tendo tardado uma reação no Reino porque, nesse tempo, ainda vigorava a chamada União Ibérica, e há que se reconhecer que a Coroa Espanhola, envolvida em outras questões, não deu ao assunto a importância que talvez merecesse; mais tarde, após a Restauração da independência lusitana (³), a situação política de D. João IV na Europa era por demais frágil, impossibilitando uma reação vigorosa da diplomacia portuguesa ao tratar da questão do Brasil diante de representantes da Holanda. Entende-se, pois, ao menos em parte, por que é que a guerra para expulsar as forças holandesas foi travada quase que inteiramente por "brasileiros" - sim, "brasileiros" que, nesse tempo, ainda viam a si mesmos como sendo estritamente portugueses. Tinham razões pessoais e econômicas para querer a Companhia das Índias Ocidentais bem longe do Brasil e, diante das oscilações do jogo político europeu, assumiram a iniciativa da luta, mesmo contra instruções expressas da Coroa, crendo que, com isso, prestavam um serviço a seu rei (⁴), o qual supunham não estar devidamente inteirado da situação da guerra no Brasil.
Vejam, leitores, que é muito pouco razoável tentar forçar a existência, nessa ocasião, de algum sentimento "nativista" ou "independentista". Eram outros os interesses que moviam a gente que foi à luta na chamada Insurreição Pernambucana.
Vejam, leitores, que é muito pouco razoável tentar forçar a existência, nessa ocasião, de algum sentimento "nativista" ou "independentista". Eram outros os interesses que moviam a gente que foi à luta na chamada Insurreição Pernambucana.
(1) SOUTHEY, Robert. História do Brasil vol. 2. Rio de Janeiro: Garnier, 1862, p. 365.
(2) Durou até 1654.
(3) 1640.
(4) Argumentos religiosos eram também parte do discurso com que se procurava compelir a população de origem portuguesa a entrar na luta.
(5) NIEUHOF, Johan. Gedenkweerdige Brasiliaense Zee- en Lant-Reise und Zee- en Lant-Reize door verscheide Gewesten van Oostindien. Amsterdam: de Weduwe van Jacob van Meurs, 1682, p. 16.
(4) Argumentos religiosos eram também parte do discurso com que se procurava compelir a população de origem portuguesa a entrar na luta.
(5) NIEUHOF, Johan. Gedenkweerdige Brasiliaense Zee- en Lant-Reise und Zee- en Lant-Reize door verscheide Gewesten van Oostindien. Amsterdam: de Weduwe van Jacob van Meurs, 1682, p. 16.
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