A legislação do Brasil Império justificava castigos físicos para crianças e escravos
O Código Criminal do Império do Brasil, no Capítulo II, tratava dos "crimes justificáveis", que incluíam, por exemplo, aqueles cometidos para defesa da própria pessoa e de seus direitos (Art. 14, § 2), para defesa da família (Art. 14 § 3) e em resistência a ordens ilegais (Art. 14, § 5). Para compreensão das relações quotidianas, é notável o que se lê no Artigo 14, § 6, segundo o qual o crime era justificável e não caberia punição: "Quando o mal consistir no castigo moderado, que os pais derem a seus filhos, os senhores a seus escravos e os mestres a seus discípulos [...]."
Vejam, leitores, que estavam ainda longe os tempos em que mesmo leves palmadas em crianças desobedientes seriam questionadas; além disso, justificava-se o uso da palmatória, quer em casa (para os escravos), quer na escola (para terror dos pequenos estudantes).
Como determinar, porém, o que seria um "castigo moderado"? E mais: como fiscalizar e/ou controlar a sua aplicação? Quem ousaria testemunhar contra um agressor que extrapolasse os limites supostamente razoáveis?
Como determinar, porém, o que seria um "castigo moderado"? E mais: como fiscalizar e/ou controlar a sua aplicação? Quem ousaria testemunhar contra um agressor que extrapolasse os limites supostamente razoáveis?
Não há dúvida que uma tal legislação acabava por legitimar a violência. É verdade que, em casos graves de insubordinação, os senhores podiam encaminhar seus escravos às casas de correção, onde o Estado, afinal, se incumbia da prisão e da tortura, mas não são poucos os relatos existentes de escravos espancados em fazendas até que acabavam morrendo ou, pelo menos, que ficassem com lesões graves, cujas consequências deviam arrastar pelo resto da vida. Que dizer, então, dos meninos que voltavam da escola com as mãos ensanguentadas pelos "bolos" de palmatória? Ou, que falar ainda dos internatos que tinham, em suas instalações, celas onde eram trancafiados os alunos que descumpriam algum regulamento? Finalmente, que argumentar quanto a pais e mães partidários da ideia de que, quanto mais severa, melhor a educação, e que, em virtude da mesma lei, viam-se livres para espancar os pequenos como bem lhes aprouvesse? Tudo isso era "castigo moderado"?
É fato que a escravidão acabou há bastante tempo e que as velhas palmatórias escolares não passam, hoje, de objetos catalogados nos acervos de museus. Não se deve pensar, porém, que tais coisas saíram do palco sem que, em seu rastro, ficassem consequências pouco alentadoras. Costumes ruins somente são arrancados com muito esforço, daí porque a violência contra crianças, dentro das próprias famílias, ainda é, infelizmente, um mal a ser combatido.
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