quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Danças dos povos indígenas do Brasil

Uma característica comum aos povos indígenas do Brasil, conforme relatos dos mais variados autores que tiveram contato com eles no Período Colonial, era o grande apreço pela música e pela dança. Os missionários jesuítas, longe de trabalharem por banir essas preferências, trataram de usá-las como aliadas na catequese. No Rio de Janeiro, por exemplo, para celebrar a chegada do visitador dos jesuítas, padre Cristóvão de Gouvêa (¹), os meninos indígenas apresentaram, de acordo com relato do padre Fernão Cardim, "a mais aprazível dança":
"Era para ver uma dança de meninos índios, o mais velho seria de oito anos, todos nuzinhos, pintados de certas cores aprazíveis, com seus cascavéis (²) nos pés, e braços, pernas, cinta e cabeças com várias invenções de diademas de penas, colares e braceletes; parece-me que se os viram nesse Reino, que andaram todo o dia atrás deles; foi a mais aprazível dança que destes meninos cá vi [...]." (³)
No Século XIX, em razão do crescimento tanto do interesse como da curiosidade pelo Brasil, viajantes estrangeiros percorreram vários pontos do País, e alguns deles deixaram depoimentos escritos quanto às danças indígenas que tiveram a oportunidade de presenciar. É difícil dizer o quanto as danças observadas eram, ainda, autenticamente indígenas, já que em alguns casos há indícios de que pareciam encomendadas para "agradar aos turistas". Mas vamos a dois registros, apenas para dar uma ideia do que podia ser visto.
Hércules Florence, desenhista da Expedição Langsdorff (1825 - 1829), presenciou uma série de movimentos lúdicos dos bororos, executados a partir da formação de um círculo:
"A princípio não fazem mais do que levantar um pé e depois outro, seguindo uma toada lenta que marcam batendo com as mãos, e acompanhada de um canto rouquenho, baixo e demorado como o compasso. De repente param, dão um grande berro e saltam [...]. Em seguida recomeçam com a monótona dança.
Enquanto os bororos a executavam, dois deles, dentro do círculo, representavam o jogo do tamanduá. Um põe-se de quatro pés com uma criança agarrada às costas: é a fêmea do tamanduá-bandeira e seu filhote. Outro o incita, pondo-lhe a ponta de um pau no nariz, imitando com muita fidelidade os movimentos letárgicos do animal; o que faz de tamanduá levanta devagar a cara e uma das mãos, com os dedos curvos como que querendo agarrar o pau: quando se adianta, o outro recua. [...].
Esses índios imitam também suas lutas com a onça, a caçada da anta, lobo, veado, etc." (⁴)
O Príncipe Adalberto da Prússia, que chegou ao Rio de Janeiro em 1842, observou uma dança dos puris, cujo propósito era, também, imitar os movimentos de vários animais nativos da América:
"A dança consistia num bambolear dum lado para o outro acompanhado dum canto monótono, muito fanhoso. Devia representar simbolicamente, a luta de um anum (eu porém compreendi que era duma mosca) contra um boi; uma outra mais tarde descrevia o caititu, o porco-do-mato, correndo dum lado para o outro na floresta; assim foi, pelo menos, que me explicou o próprio puri esta espécie de improvisações." (⁵)
Ora, meus leitores, os bovinos não são originários do Continente Americano. Se, de fato, a dança presenciada representava um desentendimento entre um anum (ave) e um boi, já havia nela uma construção posterior ao início da colonização. 

Dança dos índios puris (⁶)
Muitos autores trataram desse tema das danças indígenas em seus diários de viagem e quem quiser um aprofundamento no assunto não terá dificuldade em encontrar material para estudo. Deve-se levar sempre em conta, porém, que viajantes estrangeiros observavam as danças através do filtro de sua cultura de origem e, sendo numerosos os povos indígenas do Brasil, é preciso cuidado para não incorrer em generalizações que empobreçam a investigação de suas expressões rituais e/ou artísticas.

(1) Essa Visitação ao Brasil ocorreu entre 1583 e 1590.
(2) Guizos.
(3) CARDIM, Pe. Fernão, S. J. Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1847, p. 92.
(4) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 169.
(5) ADALBERTO, Príncipe da Prússia. Brasil: Amazônia - Xingu. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 147.
(6) SPIX, Johann B. von et MARTIUS, Carl F. P. von. Atlas zur Reise in Brasilien. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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2 comentários:

  1. Tantos séculos atrás e já se faziam "encenações" para agradar aos turistas. Com o tempo, só piorou. Já tudo é fabricado.
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. Hmmm, tenho um amigo que diz que em certos roteiros turísticos até os animais são treinados para "aparições estratégicas"...

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