segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Escravos carregadores na alfândega do Rio de Janeiro no Século XIX

Uma descrição da alfândega do Rio de Janeiro, feita pelo missionário e pastor metodista Daniel P. Kidder em fins do Período Regencial, nos dá conta não apenas do aspecto que ela apresentava na época, como também de um sórdido costume existente entre os funcionários, do qual ninguém, nos dias de hoje, deixará de reconhecer as sequelas:
"Próximo à Praça (¹) fica a entrada pública da Alfândega, instituição essa de que muitos estrangeiros guardam viva lembrança. Os grandes armazéns aduaneiros se estendem até bem próximo ao mar. Aí existem comodidades para se efetuar o desembarque de mercadorias ao abrigo das intempéries. Uma vez descarregada dos barcos e das chatas, a carga é distribuída e armazenada em vários compartimentos até que se requeira a sua vistoria e desembaraço. As demoras que às vezes se experimentam no despacho das mercadorias e bagagens não surpreendem ninguém que esteja acostumado às tediosas formalidades legais nem é de estranhar que entre os mal pagos funcionários e subalternos da Alfândega surja de vez em quando um que ponha toda sorte de embaraços a cada trâmite de um despacho até conseguir, direta ou indiretamente, a sua gorjetazinha." (²)
Gorjetazinha!...
Mas vamos adiante. Na primeira metade do Século XIX o transporte e movimentação de mercadorias na Alfândega era feito com o emprego de muita força muscular, fosse de animais (raramente), fosse de homens (método usual). Nesse último caso, escravos. Foi o mesmo Kidder quem observou:
"Nada mais animado e característico que as cenas que aí se desenrolam durante as horas de movimento, das nove da manhã às duas da tarde. Somente durante esse período podem os navios carregar e descarregar, por coincidir com o expediente da Alfândega. Devido a esse horário torna-se necessário o desenvolvimento de grande atividade para se conseguir retirar as mercadorias desembaraçadas da Alfândega e carregar os produtos do país reclamados pelas transações de um vasto empório comercial. Dizendo-se que todo esse enorme trabalho é executado por mãos humanas - pois raramente se emprega qualquer espécie de veículo, a menos que seja tirado por negros, já que são poucas as cargas pesadas - o leitor poderá facilmente figurar em sua mente centenas de negros indo e vindo em todas as direções com volumes sobre a cabeça." (³)
Os leitores deste blog não precisarão confiar-se à imaginação. O que Daniel P. Kidder descreveu usando palavras, vários outros também fizeram, mas com lápis, tintas, pincéis, etc. Selecionei algumas imagens que permitirão a quem vive no Século XXI ter uma boa ideia do que era a Alfândega da Capital do Brasil no Século XIX, quando a escravidão era regra e pouca gente seria capaz de imaginar o deslocamento de mercadorias por outro sistema que não fosse o emprego de cativos.

Figura 1
Alfândega do Rio de Janeiro.
_______ O Brasil Pitoresco e Monumental. Rio de Janeiro: E. Rensburg, 1856 (⁴).



Figura 2

Escravo carregador, aquarela de F. R. Moreaux (⁴).


Figura 3
Escravos com carro da Alfândega.
_________ Brasilian Souvenir. Rio de Janeiro: Ludwig & Briggs, 1845 (⁴).


(1) Daniel P. Kidder refere-se à Praça do Comércio.
(2) KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001, p. 65.
(3) Ibid., pp. 63 e 64.
(4) Os originais pertencem à BNDigital; as imagens foram editadas para facilitar a visualização neste blog.

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