sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Maus-tratos contra animais de trabalho nos engenhos coloniais

A crueldade no Brasil Colonial não era restrita ao trato com escravos e outros humanos subordinados à vontade dos senhores de engenho. Os animais de trabalho também sofriam, a começar pelo fato de que não recebiam alimentação apropriada. José Caetano Gomes, em sua Memória Sobre a Cultura e Produtos da Cana-de-Açúcar, publicada no final do Século XVIII, afirmou: "Todos os animais de serviço no Brasil comem no pasto." (¹)
O mesmo autor explicava que os animais eram muito baratos e, por essa razão, os proprietários não davam grande importância a alimentá-los adequadamente - se morriam, eram facilmente substituídos:
"Qualquer engenho tem cem bois e quarenta bestas; como a moagem é no tempo da seca e não há divisão de pastos, e estes foram feitos há trinta, cinquenta e mais anos, e nunca renovados, a erva ou capim que neles nasce não tem substância, o sol a desseca; e os animais cansados e inanidos vão aos brejos, onde veem alguma verdura, e com o capim, que pode ser útil, engolem plantas venenosas, que os matam. Dizem que isto é peste, porém a fome é que lhes faz comer o que é nocivo. Há anos em que a mortandade é tal, que param engenhos de moer." (²)
Depois de sugerir que os animais poderiam ser alimentados com "cará, batata, mandioca, guandu, abóbora e outras muitas coisas" (³), José Caetano Gomes dizia, ainda, que a falta de cuidado não estava restrita à alimentação. Havia mais:
"Ainda não vi um curral calçado, nem coberto; enterrados os bois até à barriga é o comum. Depois de passarem assim a noite, vão para o carro em jejum; trabalham muitas horas, saem esfalfados, e a fome os faz devorar o que encontram." (⁴)
A consequência prática disso é que animais, de costume muito dóceis, tornavam-se extremamente rebeldes:
"Tenho visto gastar horas a meter bois em carros, e bestas nas almanjarras dos engenhos; se estes animais saíssem das estrebarias com a barriga cheia, iriam para o serviço mansamente, não haveria marradas nem coices, o que evitaria acidentes, que sempre há, além do adiantamento do trabalho, que a sua braveza estorva." (⁵)
A ganância desmesurada explica o fenômeno. Porém, que homens eram esses, capazes de tanta crueldade?

Carro de bois (⁶)

(1) GOMES, José Caetano. Memória Sobre a Cultura e Produtos da Cana-de-Açúcar. Lisboa: Casa Literária do Arco do Cego, 1800, p. 80.
(2) Ibid.
(3) Ibid.
(4) Ibid., pp. 80 e 81.
(5) Ibid. p. 81.
(6) Obra de Frederico G. Briggs. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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2 comentários:

  1. Respostas
    1. Olá, leitor,
      Não vejo isto como um problema de alguma cultura em particular - talvez seja um problema de seres humanos melhores ou piores. Simplesmente alguns têm respeito pelos animais, enquanto outros, não.
      Não se pode deixar de notar que eram tempos de muita brutalidade, e o maior exemplo disso talvez seja a escravidão, e não só no Brasil. Veja, por exemplo, o que acontecia nas colônias (e depois Estados) do sul dos EUA.

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