segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Danos à saúde dos escravos carregadores

Em outras postagens deste blog já mencionei o fato de que, durante o Império, mercadorias que chegavam à alfândega do Rio de Janeiro eram transportadas por escravos. Mostrei, inclusive, que os cativos que conduziam sacas de café para embarque eram vistos, com frequência, cantando enquanto trabalhavam.
Ora, o fato de que escravos cantavam e tocavam chocalhos em suas tarefas pode dar a impressão de que, afinal, sua ocupação era até divertida, e que cantavam para externar alegria. A realidade, porém, estava bem longe disso. O naturalista Louis Agassiz e sua mulher, Elizabeth Cary Agassiz, que estiveram no Brasil entre 1865 e 1866, observaram que os escravos carregadores sofriam danos graves à saúde em razão do trabalho que executavam - e isso, é bom recordar, a despeito de  Louis Agassiz ser defensor ardoroso de ideias que nós, hoje, classificaríamos, sem pestanejar, como racistas e, principalmente, segregacionistas. Lemos no diário de viagem do casal (¹): 
"Os escravos, pelo menos nas cidades, são verdadeiras bestas de carga. Móveis pesados, pianos, aparadores, malas pesadas, barricas empilhadas umas sobre outras, tudo isso, até caixas de açúcar e sacas de café de mais de cem libras de peso, é transportado nas ruas na cabeça dos pretos. Por causa disso, esses infelizes ficam frequentemente com as pernas entortadas; não é raro vê-los, na força da idade, curvados inteiramente ou estropiados, e podendo a custo andar com um pau na mãos. [....] Alguns anos atrás, segundo nos dizem, não se podia encontrar uma carroça para fazer uma mudança: fazia-se na cabeça." (²)
No entanto, os Agassiz cuidaram em fazer notar que, já naqueles dias, o uso de escravos como carregadores ia diminuindo:
"Em boa justiça, deve-se acrescentar que tal prática, tão chocante para o estrangeiro, vai diminuindo." (³)

Escravos carregando um piano, desenho de E. Riou a partir de esboço
feito pelo pintor François Biard (⁴)
Observemos que, ao menos para eles, que vinham dos Estados Unidos,  a "tal prática" não devia ser assim tão chocante, uma vez que a escravidão ainda existia por lá, e ambos somente tiveram notícia do fim da Guerra de Secessão e do assassinato de Lincoln quando já estavam no Brasil. Quanto ao trabalho dos escravos carregadores, é fato que desapareceu. Acabou-se com o fim da escravidão. 
Cabe, aqui, porém, um outro questionamento: Quantos não serão ainda hoje os trabalhadores, considerados livres segundo as leis, é fato, cujas ocupações são muitíssimo danosas à saúde (como acontecia aos antigos carregadores), e que nelas continuam somente porque não têm outro modo pelo qual prover o sustento para si mesmos e para suas famílias?

(1) O diário de viagem foi escrito pelo casal Agassiz, sendo um tanto difícil determinar que parte foi escrita por qual deles, ainda que seja dada como certa a predominância dos textos de Elizabeth Cary.
(2) AGASSIZ, Jean Louis R. e AGASSIZ, Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil 1865 - 1866. Brasília: Senado Federal, 2000, pp. 82 e 83.
(3) Ibid.
(4) BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862.


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