quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Obstáculos à catequese de indígenas, de acordo com José de Anchieta

Não foi o desconhecimento da língua falada pelos indígenas a maior dificuldade enfrentada pelos missionários que, desde meados do Século XVI, vieram ao Brasil no interesse de desenvolver um projeto de catequese. Nos colégios jesuítas estabelecidos na América portuguesa era obrigatório o estudo do "grego da terra", como jocosamente se referiam à língua predominante na costa do Brasil, e, não muito mais tarde, já havia até gramática pela qual orientar a instrução dos religiosos. Com base em um documento datado de 1584 (¹) e atribuído a Anchieta (²), pode-se afirmar que, sob a ótica dos jesuítas, os maiores obstáculos à catequese eram de outra natureza, e poderiam ser assim resumidos:
  • Prática da poligamia por indígenas;
  • Apreço pelo "vinho" (principalmente pela bebida fermentada de caju, cujo uso o próprio Anchieta reconhecia ser preferível moderar que tentar abolir);
  • Guerras frequentes por questão de honra, seguidas, não raro, de antropofagia;
  • Inconstância, já que ameríndios pareciam aceitar prontamente as ideias propostas pelos missionários, porém, mais tarde, abandonavam-nas com idêntica facilidade (³);
  • Falta de "temor e sujeição" (os missionários, incluindo Anchieta, achavam que a catequese poderia ser facilitada, se imposta pelas autoridades coloniais, que obrigassem, por exemplo, ao aldeamento dos indígenas em comunidades subordinadas aos padres).
Qual destes itens corresponderia à maior dificuldade? Conforme Anchieta, nenhum deles; o problema mais grave não era nativo da América:
"Os maiores impedimentos nascem dos portugueses, e o primeiro é não haver neles zelo da salvação dos índios [...], antes os têm por selvagens e, ao que mostram, lhes pesa de ouvir dizer que sabem eles alguma coisa da lei de Deus [...]." (⁴)
A maioria dos colonizadores via nos índios apenas um vasto acervo de mão de obra gratuita, a cuja escravização mesmo as autoridades coloniais faziam vistas grossas, isso quando não estavam diretamente envolvidas no apresamento dos naturais da terra sob o pretexto de "guerras justas". A Companhia de Jesus, por seu turno, buscava implantar um modelo de catequese em que os ameríndios viveriam em comunidades sob a tutela dos padres. Perspectivas tão diferentes resultaram em cerca de dois séculos de confrontos.

(1) "Informação do Brasil e de Suas Capitanias". In: ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 333.
(2) Ele mesmo um notável missionário.
(3) É interessante que Anchieta não parecia considerar que a suposta inconstância podia ser, talvez, fruto de um choque cultural. Como regra, não era esse o modo de ver os fatos no Século XVI.

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