quarta-feira, 3 de abril de 2024

Sicofantas de Atenas

Sicofanta, atualmente, é palavra que significa delator, acusador. Convenhamos, não é costume que seja aplicada como um elogio. Em Atenas, na Antiguidade, também havia sicofantas, mas, a despeito do ódio público contra eles, exerciam uma função importante para o abastecimento da cidade.
Parece estranho? É disso que trataremos.
Sólon, o legislador, havia instituído uma lei em Atenas, segundo a qual, para assegurar que não houvesse falta de alimentos para a população local, se proibia que a produção agrícola da Ática fosse comercializada fora, em outras cidades, ou mesmo em portos mais distantes, mediante navegação marítima pelo Mediterrâneo. A única exceção admitida eram as azeitonas, que a Ática produzia em abundância e que se constituíam em sua maior riqueza no comércio internacional. 
Acontece, no entanto, que os saborosos figos áticos eram demasiadamente cobiçados, e por eles se pagava muito bem, de modo que, a despeito da legislação contrária, sempre havia quem estivesse disposto a correr o risco, para vendê-los em outros lugares. Era aí que entrava em cena o sicofanta, segundo Plutarco, em Vitae parallelae, ao fazer a biografia de Sólon:
"[...] sicofanta se diz de quem acusava outro, quando, contrariando a legislação da cidade, levava figos para fora dos limites de Atenas [...]." (*)
Ao que parece, Plutarco não tinha certeza de que o termo viera à existência a partir das leis de Sólon, já que havia quem reconhecesse seu uso muito antes. Mas, deixando de lado a questão etimológica, pelo que se afirmava estar na primeira das tábuas de madeira em que teriam sido escritas as leis de Sólon, o desobediente era brutalmente multado em nada menos que cem dracmas; o sicofanta, mais detestado do que nunca, geralmente recebia algum dinheiro, "dinheiro sujo", pelo trabalho, "trabalho sujo", de dar com a língua nos dentes contra um de seus concidadãos, ainda que, bem ou mal, sua delação favorecesse os interesses da cidade contra os de um particular. Estava certo? Estava errado? Eis um debate ético (e não só ático) espinhoso.

(*) PLUTARCO, Vitae Parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias


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