quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Imperialismo ateniense

Quem deveria ser a divindade protetora da cidade de Atenas? A resposta vem de uma lenda da Antiguidade. Poseidon e Palas Atena brigavam pelo posto - brigas não eram incomuns no Olimpo. Sucede que a contenda tomou proporções um tanto perigosas e, para restaurar a paz, Zeus e sua corte foram chamados à ação. Poseidon fundava sua pretensão no fato de ser Atenas uma cidade voltada ao comércio marítimo, estando, pois, em seus domínios. Para provar seu afeto àquela pólis, com um simples toque de seu famoso tridente fez brotar da terra um cavalo belíssimo, ideal para a guerra. Palas Atena, belicosa como era, ao menos desta vez decidiu apresentar aos deuses uma dádiva da paz que ofereceria à cidade, fazendo brotar no solo da Ática uma esplêndida oliveira, já carregada de azeitonas maduras. Nem será preciso dizer que Palas, aplaudida pelos deuses, foi considerada vencedora e, em consequência, deu seu nome à cidade. Em troca, foi nela venerada como divindade principal
Dentre as cidades da Grécia Antiga, Atenas é considerada a mais culta e desenvolvida. Sabe-se, contudo, que nela a escravidão era uma dura realidade (só assim é que os cidadãos podiam dispor de tempo livre para o envolvimento na política e para o estudo das ciências e das artes); sabe-se, também, que as mulheres eram, em geral, tratadas como seres inferiores; além disso, como cidade-Estado, mesmo no auge da democracia, admitia como cidadãos apenas uma quantidade relativamente pequena de indivíduos. Atenas foi tremendamente imperialista e, para assegurar sua vantajosa posição como exportadora de azeite, esteve perto de produzir uma verdadeira catástrofe ambiental, ao substituir a diversificada vegetação da Ática quase exclusivamente por oliveiras.
É fato que Atenas saiu das guerras contra os persas (¹) como uma potência naval forjada no calor da luta pela sobrevivência das cidades gregas. Para derrotar o "bárbaro (²)", sua atuação foi muito mais decisiva que a de Esparta. Resolvida a tirar a maior vantagem possível de um momento que lhe era favorável, Atenas aceitou liderar um conjunto de cidades que, naquelas circunstâncias, viam nela uma protetora. Foi assim que se tornou senhora de um império, acumulando riquezas provenientes do comércio marítimo e dos tributos que as cidades aliadas pagavam.
Contudo, essa situação incomodava Esparta, que também tinha aliados. Terminada a guerra contra os persas, espartanos tentaram convencer atenienses a não reconstruírem as muralhas de sua cidade, alegando que, se os persas voltassem, podiam conquistar a Ática e fazer ali sua base de operações. Será que os emissários de Esparta realmente imaginavam que a população de Atenas aceitaria uma tolice como essa? Não só os muros de Atenas foram reerguidos, também o porto de Pireu, de que Atenas se servia, foi devidamente fortificado. Atenas, desse modo, cresceu em importância política e econômica, causando medo à Liga do Peloponeso.
A partir dessas considerações, não é difícil entender que Esparta tratou de incentivar e apoiar revoltas entre os aliados de Atenas, que, passado o perigo persa, estavam já cansados de contribuir para sua orgulhosa "protetora". O curioso é que, ao contrário do que acontece em nosso tempo, em que o imperialismo às vezes se faz passar por humanitário, filantrópico, até caritativo, no Século V Atenas não fazia nenhum esforço para ocultar seu caráter dominador. Achava, até, que tinha todo o direito a isso. Assumia o fato abertamente, segundo palavras de delegados atenienses que compareceram a uma assembleia em Esparta. Sua cidade-Estado, amante do conhecimento, apaixonada por novidades e sempre receptiva a mudanças se isto lhe trouxesse alguma vantagem, não estava disposta a ceder diante das reclamações de cidades aliadas (³). Não seria o caso de Esparta estar por trás de tudo isso, tentando atraí-las para seu lado? 
De uma parte, a militarista e conservadora Esparta, com seus aliados do Peloponeso; do outro, a imperialista, rica e culta Atenas, também com seus aliados. Será que essa política de alianças lembra alguma coisa mais recente, leitores? A guerra era inevitável, por ser, inclusive, desejada (⁴). No decurso dos acontecimentos, Atenas foi atingida por uma peste que, mais que as armas inimigas, contribuiu para esgotá-la. Como se sabe, Esparta venceu. A Grécia, porém, jamais foi a mesma. Os longos anos de guerra haviam-na enfraquecido sobremaneira. Em um discurso proferido por Cláudio, imperador romano, cujas palavras foram relatadas por Tácito, há uma ideia que dá o que pensar. "Qual foi a causa da decadência dos lacedemônios e dos atenienses", perguntou ele, "que foram poderosos nas armas, a não ser que tratavam como estrangeiros a todos os povos que dominavam? (⁵)". Começamos com uma pergunta, leitores, e terminamos com outra. Não é raro, em se tratando de História, que as questões levantadas sejam mais numerosas que as respostas.

(1) 498 - 448 a.C.
(2) Era assim que os gregos se referiam ao monarca persa.
(3) Cf. TUCÍDIDES, História da Guerra do Peloponeso, § 73 a § 78.
(4) A Guerra do Peloponeso ocorreu de 431 a 404 a.C.
(5) TÁCITO, Annales, Livro XI. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias


Veja também: 

2 comentários:

  1. Tratando-se de História, de desenvolvimento humano, de sustentabilidade, as questões levantadas são habitualmente mais numerosas que as respostas. O hábito de nos questionarmos é muito saudável. Se alguns líderes mundiais o fizessem com maior frequência...

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    1. Esse hábito salutar não é muito apreciado, pelo incômodo que dele resulta. Muitas coisas seriam bem diferentes, no entanto, se, acaso, fosse mais difundido.

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