quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Dia do Fico

Com a volta de Dom João VI a Portugal, o jovem Dom Pedro de Alcântara ficara no Rio de Janeiro na condição de príncipe regente. Contudo, novas ordens expedidas pelas Cortes de Lisboa determinaram, em 1821, o seu retorno imediato, enquanto uma junta governativa deveria ser encarregada dos negócios do Brasil. Formalmente, dizia-se que era necessário ao príncipe viajar pela Europa e concluir sua educação, como herdeiro presuntivo do trono português. De fato, nesse sentido, as Cortes não estavam em erro: habituado à vida livre (até demais) no Rio de Janeiro, Dom Pedro estava longe de ter recebido a instrução necessária a um monarca, ainda que, de fato, fosse pessoa de talento notável em algumas áreas, tendo conquistado, temporariamente, a simpatia da maior parte dos brasileiros. 
Contudo, interpretada como uma tentativa de fazer as coisas voltarem a ser como antes de 1808, a notícia de que Dom Pedro deveria voltar a Portugal não teve recepção favorável no Brasil. Lideranças locais trataram logo de influenciar o príncipe no sentido de dizer um sonoro "não" às Cortes. A Câmara de São Paulo, por exemplo, enviou uma carta a Dom Pedro, conforme se vê pela Ata de 31 de dezembro de 1821: "Em ato da mesma [vereança] escreveram uma carta a S. A. R. (¹) o Príncipe Regente à Corte do Rio de Janeiro, representando ao mesmo Augusto Senhor, e suplicando-lhe queira demorar seu embarque para Lisboa até nova resolução do Congresso Nacional; cuja representação se acha assinada pelo doutor ouvidor interino desta comarca e pela corporação da Câmara e continua a ser assinada por todas as mais autoridades, corporações e cidadãos desta cidade, e depois será entregue ao Deputado nomeado por esta Câmara, o Marechal José Arouche de Toledo Rendon" (²).
Em 9 de janeiro do ano seguinte, Dom Pedro fez a famosa declaração pública, segundo a qual afirmava sua intenção de permanecer no Brasil. Foi um gesto algo teatral, bem ao gosto da época. Por essa razão, a data ficou conhecida como "Dia do Fico". A sorte estava lançada, não pela travessia do Rubicão, como fizera César, mas para, em poucos meses, ser assinalada por outro gesto ainda mais cenográfico, às margens de um riacho...
A notícia do "fico" logo se espalhou. A Câmara de São Paulo, que dirigira súplica pela permanência do príncipe, não tardou em ter parte na comemoração, com direito a tríduo na Sé e luminárias pela cidade durante as noites correspondentes: "Aos vinte e três de fevereiro de 1822, nesta cidade de São Paulo [os camaristas foram] com o real estandarte [à] Sé Catedral onde assistiram ao Tríduo que se celebrou com missa cantada e sermão em ação de graças ao Todo-Poderoso, pela resolução que tomou S. A. R. o Sr. Príncipe Regente do Brasil D. Pedro de Alcântara, cuja solenidade fez o Governo Provisório de acordo com o Exmo. Sr. Bispo, de que esta Câmara teve participação oficial do mesmo Governo em 19 do corrente para mandar publicar luminárias nas noites do dito Tríduo  e assistir a ele, como de fato o fez nos dias 21, 22 e 23, hoje". Não havendo separação entre Igreja e Estado, era assim, com cerimônias religiosas, que frequentemente acontecimentos reputados felizes na política eram celebrados. 

(1) Sua Alteza Real.
(2) Os trechos citados de Atas da Câmara de São Paulo foram transcritos na ortografia atual, com adição da pontuação indispensável.


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