segunda-feira, 15 de abril de 2024

Pescadores e caçadores a serviço dos senhores de engenho

Durante longo tempo, colonizadores vindos de Portugal não conseguiam esquecer a comida do Reino, de que tanto gostavam. É compreensível, mas o bacalhau salgado que era trazido ao Brasil, depois de meses no mar e nas condições de higiene vigentes nos navios da época, não era exatamente uma comida de boa qualidade, nem estava sempre disponível. Com tanto peixe fresco nas águas oceânicas e fluviais à disposição de quem se desse ao trabalho de pescar, até surpreende que houvesse quem preferisse peixe seco. Mas havia, principalmente nas casas senhoriais.
Contudo, para senhores de engenho, a ideia de pescar impunha uma dificuldade: quem é que faria o trabalho? A resposta, é fácil adivinhar, seguia o mesmo roteiro das demais tarefas. Era gente escravizada ou liberta, mas assalariada por baixo valor, quem se encarregava do pescado de cada dia.
Meus leitores, porém, talvez tenham ainda outra pergunta: Como é que sabemos disso? 
Vamos ao Diálogo Sexto da obra escrita no começo do Século XVII, ao que se supõe por Ambrósio Fernandes Brandão (¹), e que tem como título Diálogos das Grandezas do Brasil, em que duas figuras fictícias (ou nem tanto), Brandônio e Alviano, discutem o que havia de interessante na colônia portuguesa na América. Diz Brandônio, referindo-se aos senhores de engenho e aos lavradores de cana-de-açúcar:
"[...] a maior parte da riqueza dos lavradores desta terra consiste em terem poucos ou muitos escravos; sustentam-se de suas criações, tendo de ordinário um pescador que lhes vai pescar ao mar alto e também aos rios, donde lhes traz pescado bastante para sua sustentação." (²) 
Ao ouvir isso, Alviano logo pergunta se o dito pescador seria homem livre ou escravo, ao que Brandônio responde:
"Não é senão escravo cativo [sic] do gentio da terra (³) ou de Guiné (⁴), e também dos forros, que para o efeito assoldadam a troco de pequeno prêmio, e muitos usam também de caçadores, que lhes trazem cópia grande de caça, e com isso e o mais de suas criações, leite de seus currais, muito açúcar, vivem abastadamente." (⁵) 
Entende-se, pois, o que é que, na prática, quis dizer Antonil ao afirmar que "o ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos" (⁶). 

(1) Autoria atribuída, com razoável probabilidade. 
(2) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 296.
(3) Referência aos indígenas do Brasil.
(4) Escravizados de origem africana.
(5) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Op. cit., p. 296.
(6) ANTONIL, André João S. J. Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, p. 1.


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