segunda-feira, 1 de abril de 2024

A cadeia de São Paulo no Século XVII e o envio de um prisioneiro a Santos

A cadeia existente na vila de São Paulo no Século XVII era, ao que parece, um perfeito convite às fugas de presos, pelo que se vê em uma ata da Câmara de São Paulo relativa ao dia 1º de abril de 1628 (¹), ocasião em que o ouvidor se encontrava presente:
"[...] proveu mais que, porquanto era informado que a cadeia a cada passo se abria [e] não é boa por ser fraca e não ser de pedra edificada, que pusessem pelo meio divisas de pau fortíssimas, cravejadas e forradas com outra taipa, resguardando-lhe bem as grades com boas ombreiras de pedras e grades de ferro, fazendo o tal que não possam fugir os presos tão facilmente em razão do que achou e notou a falta que nesta vila há de justiça por os presos fugirem da cadeia [...]." (²)
É de se perguntar, em consideração ao que rotineiramente se passava na vila no Século XVII, se os camaristas de São Paulo e demais moradores tinham, de fato, muito interesse em tornar a cadeia mais segura. A resposta das autoridades locais é sintomática - se houvesse dinheiro, fariam as melhorias:
"[...] no que toca à cadeia e carcereiro e sino (³) farão todo o possível para se fazer, havendo dinheiro para isso [...], porquanto é tempo ver que não tem renda nenhuma e que, sem embargo de tudo, disse ele dito ouvidor geral que recorressem a sua majestade para os prover como convém [...]."
Que ideia maravilhosa!... Pediriam ajuda ao rei, que estava do outro lado do mar, e enquanto isso, a cadeia ficava na mesma.
Para concluir, meus leitores, veremos agora o que é que se fazia quando aparecia na vila algum delinquente a quem todos temiam. Não se julgava, é certo, que devesse ficar detido em uma cadeia tão precária, razão pela qual o sujeito devia ser remetido a Santos, cuja prisão era tida como mais confiável. Não tardou muito e houve um caso desses, registrado na ata de 30 de dezembro do mesmo ano de 1628: 
"[...] requereram os oficiais da Câmara aos juiz [...] que visto ter preso nesta cadeia a um homem por casos facinorosos, o qual corre risco estar nesta cadeia, por não ser capaz para semelhantes presos, por ser fraca e assim sua prisão correr risco e poder sair dela, ajuntando-se com alguns homiziados e fazer alguns delitos, pelo que lhe requeriam o mandasse à cadeia de Santos, por ser de pedra e cal, para aí estar mais seguro, [...] ao que o dito juiz respondeu a eles ditos oficiais lhe dessem vinte índios  que vão com eles à vila de Santos a levá-lo [...]." 
A ata pode até parecer cômica: quem, afinal, corria risco na prisão? O prisioneiro ou a população, do lado de fora? Mas o que fica claro, em meio ao palavrório do escrivão, é que não havia uma força policial regular disponível para acompanhar o prisioneiro pelo áspero Caminho do Mar até Santos, daí a requisição de vinte indígenas como escolta.

(1) Não, leitores, nada relacionado ao chamado "Dia da Mentira".
(2) Os trechos de atas da Câmara de São Paulo aqui citados foram transcritos na ortografia atual, com acréscimo da pontuação indispensável à compreensão. 
(3) Entre outras utilidades, o sino que geralmente havia nas câmaras e cadeias coloniais, que quase sempre ficavam no mesmo prédio, servia para alertar a população em caso de fuga de algum preso ou para dar aviso quando havia algum incêndio na localidade, esperando-se que todos os moradores que pudessem, comparecessem para ajudar a apagar o fogo. Usava-se o sino, também, quando era necessário convocar uma reunião de todos os homens da vila, para que discutissem e votassem algum assunto de interesse geral. 


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