segunda-feira, 22 de abril de 2024

Carretas ou carros de bois?

"Enfim o chiado dos carros, que se avizinhavam carregados de cana para o engenho, acabava de azoinar todos os ouvidos com aquele zunido agudo, incessante, desesperador, que nos martiriza e quase arromba os tímpanos, som de uma intensidade e aspereza tal, que não há no dicionário palavra assaz expressiva para significá-lo."
Bernardo Guimarães, Histórias e Tradições da Província de Minas Gerais

Carro de bois (¹)

Os carros de bois foram imensamente populares no Brasil, até que novidades como as ferrovias e rodovias pavimentadas e veículos motorizados tornassem seu uso obsoleto. Apesar disso, há muita gente que ainda tem saudade deles, e nas festas folclóricas regionais não são incomuns os desfiles de carros de bois, a pretexto de manter a tradição.
Uma publicação datada exatamente de 1800, porém, questionava a conveniência dos carros de bois no Brasil, entendendo que carretas seriam melhores que eles:
"Ainda não lembrou a ninguém na Capitania do Rio de Janeiro o fazer uso da carreta, em lugar do carro, tendo a vantagem tão visível. As rodas do carro têm o trilho de uma a duas polegadas, com cinco a seis palmos de altura; o trilho das da carreta é de quatro a cinco polegadas, com nove a dez palmos de altura. Ora, num país de caminhos não calçados, pantanosos, é infinitamente melhor a carreta, cujas dão tanta folga aos animais, além de não se enterrarem tanto, e facilitarem o virar de um para outro lado, sem forcejar no cabeçalho; custando menos na sua construção por haver maior quantidade de madeiras que lhe sirvam, não precisar tanto ferro, e mesmo se pode fazer sem ele; e onde dois bois puxam mais sem tanta fadiga, que os seis do carro. [...]." (²)
A ideia de José Caetano Gomes, autor da Memória Sobre a Cultura e Produtos da Cana-de-Açúcar, era sugerir melhorias na produção açucareira no Brasil, com todos os elementos que envolvia - incluindo o transporte, em que entrava a questão da conveniência das carretas em lugar dos carros. Apesar disso, os carros de bois continuaram, por muito tempo, a ser largamente preferidos. Resistência às mudanças não é uma novidade, portanto. De qualquer modo, como ninguém havia ainda inventado algum meio de transporte que dispensasse os animais, com uma ou outra coisa não haveria vantagem para os bois, que teriam de continuar a fazer o trabalho pesado.

(1) CHAMBERLAIN, Tenente. Vistas e Costumes da Cidade e Arredores do Rio de Janeiro em 1819 - 1820. Rio de Janeiro / São Paulo: Livraria Kosmos Editora, 1943, p. 125.  A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) GOMES, José Caetano. Memória Sobre a Cultura e Produtos da Cana-de-Açúcar. Lisboa: Casa Literária do Arco do Cego, 1800, pp. 85 e 86. 


Veja também:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.