terça-feira, 21 de julho de 2020

Carros de bois não eram usados na primeira capital do Brasil

Por muito tempo os carros de bois foram amplamente empregados no Brasil. Não obstante, no Século XVI não eram utilizados na cidade da Bahia (Salvador), a primeira capital (¹). Por quê?
No contexto da construção do primitivo convento dos franciscanos em Salvador, frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, autor setecentista, explicou, em seu Novo Orbe Seráfico, que as obras foram difíceis, a princípio, porque era necessário carregar pedras desde as proximidades do mar, e que não se podia contar com carros de bois para tão penosa tarefa. É justamente aí que diz o motivo:
"Continuava-se a obra dos corredores com grande fervor e vontade de todos, assim religiosos como seculares, mas servia-lhe de grande embaraço para se avançar e crescer adiante o material da pedra, que lhes era necessário ir buscá-la ao baixo da Bahia e costas ao mar das pederneiras, que cercam as suas praias, que suposto abundantes e em distância não mui prolongada, contudo dificultosa a sua condução, por não ser possível trazê-la acima em carros por se não usarem na Cidade os bois pelo empinado e difícil da sua subida [...]." (²)
A topografia, portanto, era a explicação para que, diversamente do que ocorria em muitos outros lugares, os carros de bois não fossem o modo habitual de transporte para cargas. Outra pergunta, portanto, se impõe: como foram carregadas as pedras do convento, e, por extensão, como eram transportadas as cargas na Cidade da Bahia?
Continua Jaboatão:
"[...] era preciso, como ainda hoje se faz, conduzi-las em carretas, às mãos e força de braço as maiores, e as comuns à cabeça de escravos, e servia isto de um grande estorvo e vagar, além do muito gasto para a continuação e presteza da obra [...]." (³) 
Das palavras de Jaboatão se conclui que era à força de escravos que a maior parte do trabalho pesado se realizava, que o sistema persistia em meados do Século XVIII, porquanto afirma "como ainda hoje se faz", e que foi desse modo que se construiu tudo ou quase tudo na primeira capital do Brasil. Tempos difíceis!

(1) Criada para ser a primeira capital do Brasil, foi também a primeira povoação com status de cidade.
(2) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil Segunda Parte. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1859, p. 59.
(3) Ibid.


2 comentários:

  1. Cada época tem o seu contexto, e é à luz disso que as coisas têm que ser analisadas, tal como a Marta se esforça por fazer.
    Eram tempos difíceis, sem dúvida.

    Fique bem.

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    1. Quem visita as cidades coloniais e observa como são hoje, talvez não imagine como viviam ali os primeiros colonizadores. Quanta improvisação foi necessária, quanto precisaram abrir mão dos hábitos antigos e, por outro lado, que choque cultural não deve ter sido para os ameríndios. Que o estudo desses acontecimentos seja útil para quem vive no Século XXI...

      Aqui já é noite. Então, boa noite, e tenha uma ótima semana!

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