Birremes, trirremes, quadrirremes, quinquerremes...
"Não deves jamais colocar todos os teus bens nos navios..."
Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias
As embarcações que cruzavam o Mediterrâneo e adjacências na Antiguidade eram dotadas de velas, mas não era só o vento que as impulsionava - havia também a força dos músculos de muitos remadores - primeiro gente livre e, mais tarde, escravos.
Quando uma embarcação tinha duas filas de remos (os remadores eram dispostos em dois "andares"), recebia o nome de birreme; se tivesse três filas de remadores, era trirreme, se fossem quatro as fileiras, era quadrirreme e, se tivesse cinco, seria então quinquerreme. Estas duas últimas só eram usadas em batalhas navais, e não eram muito numerosas porque suas proporções tornavam as manobras mais difíceis. Ainda assim, eram úteis para impressionar adversários.
Se pensarmos no Mediterrâneo como um gigantesco lago de água salgada, cercado por diferentes povos que falavam uma variedade de línguas e que desenvolveram diversas e notáveis culturas, será fácil entender que o desenvolvimento da navegação e, por conseguinte, das embarcações, não foi obra de um único povo. Um invento aparecia em um lugar, logo era adotado em outro, recebia aperfeiçoamentos que, por sua vez, eram copiados pela vizinhança. Qual era o melhor formato para um navio mercante? E para um navio de guerra? Quantos deviam ser os remos, e de que comprimento? E se dois remadores manipulassem um único remo? Velas quadradas ou redondas? Vê-se que o mundo mediterrânico vivia em efervescência, e a arte náutica se beneficiava disso. Fenícios, cartagineses, gregos, romanos e outros povos da Península Itálica, todos deram sua contribuição, ainda que nem sempre voluntária, conforme veremos.
Atenienses, na batalha naval de Salamina (²), impuseram notável derrota aos persas, provando a eficiência das trirremes gregas contra as desajeitadas, ainda que numerosas, embarcações adversárias. Isso aconteceu depois que Temístocles, segundo conta Heródoto, conseguiu que seus concidadãos acreditassem que uma estranha profecia vinda de Delfos, segundo a qual os gregos venceriam se, para sua defesa, fizessem uma muralha de madeira, era referência ao uso de uma frota que barrasse a passagem dos comandados de Xerxes, rei dos persas.
Mas como é que Atenas tinha prontas tantas trirremes com que enfrentar a poderosa frota persa? Heródoto, em suas Histórias, explica:
"O tesouro de Atenas tinha grande quantidade de dinheiro para uso público, como resultado de terem explorado as minas de Láurion, e os atenienses julgavam que deviam reparti-lo entre si; porém Temístocles convenceu-os a [...] construir duzentos navios de guerra para lutar contra Egina. Embora as embarcações não tenham sido usadas para seu primeiro objetivo, foram a salvação dos gregos, ao fazer de Atenas uma grande força naval."
Ainda segundo Heródoto, não satisfeitos com a frota que já tinham, os cidadãos atenienses fizeram mais navios, converteram embarcações mercantes em vasos de guerra e convocaram a participação de outros gregos que quisessem juntar-se a eles na luta contra Xerxes, convencidos que estavam de que, assim fazendo, obedeciam à determinação de Apolo. Venceram!
Tito Lívio registrou, em Ab urbe condita libri, que, durante a Primeira Guerra Púnica (⁴), os romanos perceberam que era grande desvantagem não dispor de uma esquadra que fizesse frente aos hábeis marujos cartagineses. Foi então que caiu em poder dos romanos uma embarcação do tipo quinquerreme. Seguimos com Tito Lívio:
Combate naval retratado em um vaso grego da Antiguidade (³) |
Tito Lívio registrou, em Ab urbe condita libri, que, durante a Primeira Guerra Púnica (⁴), os romanos perceberam que era grande desvantagem não dispor de uma esquadra que fizesse frente aos hábeis marujos cartagineses. Foi então que caiu em poder dos romanos uma embarcação do tipo quinquerreme. Seguimos com Tito Lívio:
"Sobre aquele modelo os cônsules determinaram a construção de uma frota, na qual tanto empenho foi posto que, passados sessenta dias desde que se preparara a madeira, já havia de prontidão uma armada de cento e sessenta velas."
Exagero? Talvez, mas salta os olhos o fato de que a gente de Roma, ainda neófita em questões navais, tivesse a capacidade de, rapidamente, copiar uma nau inimiga. Esse pragmatismo, é bom lembrar, caracterizou a Roma Antiga. Se alguma coisa era útil, devia ser admitida, independente de sua origem.
Ocorre que os romanos, percebendo que era agora possível chegar perto das embarcações adversárias, tiveram a ideia de inventar um maquinismo que permitisse prender os navios inimigos aos seus. Estendia-se logo uma ponte, de tal modo que soldados de Roma, passando por ela, podiam travar combate corpo a corpo com os homens de Cartago. Nesse tipo de luta os romanos levavam, quase sempre, enorme vantagem.
Para concluir, será interessante considerar se os navios que os povos mediterrânicos usavam tão bem em águas "domésticas" seriam igualmente eficazes em outros mares. Poderiam navios como esses fazer longas viagens? Heródoto, por exemplo, falou de uma viagem que marinheiros fenícios teriam empreendido a serviço de um faraó, na qual, tendo partido do Mar Vermelho, retornaram ao Egito pelo Mediterrâneo, depois de costear a África. Não há provas definitivas de que essa viagem tenha mesmo acontecido, mas sabe-se que não era impossível.
Por outro lado, o tipo de embarcações que os romanos usavam com eficiência no Mediterrâneo mostrou-se inadequado quando, comandados por Germânico, tiveram de enfrentar as águas revoltas do Mar do Norte, em meio a uma tempestade. Muitos soldados romanos morreram, enquanto sobreviventes foram arremessados a terras distantes, algumas delas ainda desconhecidas para os habitantes da Península Itálica.
Políbio (⁵), em sua História, explicou:
"Faz-se muito pouco uso do mar das Colunas de Hércules, porque são muito poucos os que comerciam com povos que vivem nos extremos da África e da Europa, e também porque o mar exterior é desconhecido para nós." (⁶)
Parece que, ao menos em seus dias, viagens além do Mediterrâneo não eram usuais.
"Faz-se muito pouco uso do mar das Colunas de Hércules, porque são muito poucos os que comerciam com povos que vivem nos extremos da África e da Europa, e também porque o mar exterior é desconhecido para nós." (⁶)
Parece que, ao menos em seus dias, viagens além do Mediterrâneo não eram usuais.
(1) BUSCHOR, Ernst. Griechische Vasenmalerei. Mûnchen: R. Piper & Co., 1913, p. 142.
(2) Em 480 a.C., durante as chamadas Guerras Médicas.
(3) KNOWLTON, Daniel C. Illustrated Topics for Ancient History. Philadelphia: McKinley Publishing Company, 1913.
(3) KNOWLTON, Daniel C. Illustrated Topics for Ancient History. Philadelphia: McKinley Publishing Company, 1913.
(4) As Guerras Púnicas foram guerras entre Roma e Cartago, travadas, com intervalos, entre 264 a.C. e 146 a.C.. Recebem esse nome porque os romanos chamavam punos aos cartagineses.
(5) Políbio de Megalópolis (c. 203 - 120 a.C.) foi um grego que passou a maior parte da vida entre romanos; escreveu, entre outros assuntos, sobre as Guerras Púnicas.
(6) As citações de Hesíodo, Heródoto, Tito Lívio e Políbio que aparecem nesta postagem são tradução de Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
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