Não há dúvida de que tanto os Jogos Olímpicos celebrados pelos gregos da Antiguidade quanto os espetáculos circenses em Roma envolviam habilidades atléticas. Mas as semelhanças não vão além disso.
Os atletas gregos eram, necessariamente, jovens de condição livre, quase sempre integrantes da elite de suas respectivas cidades-Estados. Já os gladiadores romanos eram, em sua imensa maioria, escravos, que lutavam não porque queriam, mas porque eram obrigados a isso, e o fato de que a insanidade de alguns imperadores tenha levado à exigência de que membros de famílias senatoriais eventualmente também lutassem, não muda, em absoluto, a regra geral. Dessa cruel e fundamental diferença decorrem muitas outras. Veremos algumas.
Se é verdade que em Olímpia as celebrações ocorriam em honra de Zeus, em Roma, ainda que divindades fossem invocadas, os espetáculos realizavam-se para fortalecer a imagem pública de líderes políticos, sendo apreciados, mesmo antes do Império, sempre que se queria entreter e agradar a população. Júlio César foi um mestre em gastar rios de dinheiro para divertir as massas que o apoiavam. Lutas e outras competições também ocorriam para comemorar algum acontecimento importante (a morte de alguém famoso, por exemplo) e, principalmente, para fazer com que as multidões sem trabalho, atentas a espetáculos violentos mas controlados, "esquecessem" a ideia de insurgir-se contra as autoridades.
Não se deve imaginar que as Olimpíadas eram competições cavalheirescas, com algum lema que sugerisse que, em última instância, o importante mesmo era estar lá para honra dos deuses, independente do resultado das provas. Nada disso. As modalidades incluíam lutas violentíssimas, como era o caso do pancrácio (quebra-ossos!) e, não raro, atletas morriam durante as provas. Mas aqui aparece outra distinção fundamental entre o que acontecia em Olímpia e os jogos de Roma: se um competidor morria nos Jogos Olímpicos, sua memória era honrada como sendo ele um herói, pois preferira perder a vida a ser derrotado; nos circos romanos, os gladiadores se engalfinhavam tentando matar o oponente porque esse era o único modo de vencer e, assim, obtendo uma boa sequência de vitórias, recuperar, talvez, a liberdade. Nesse caso, o que morria era um fracassado.
Finalmente, a despeito das lutas sangrentas, os Jogos Olímpicos incluíam diversas modalidades nas quais buscava-se, sob a severa vigilância dos juízes, determinar quem era o verdadeiro campeão, aquele que melhor retratava os ideais de perfeição tão valorizados pelos gregos, ideais esses que incluíam a capacidade atlética e a força mental. Por isso, pode-se dizer que no herói olímpico, ao menos em teoria, sintetizava-se toda a proposta de formação de verdadeiros cidadãos. O circo romano, por sua vez, era o lugar em que a população em geral era sutilmente afastada de questões políticas nas quais os poderosos não queriam que se intrometesse. Era o palco da alienação, onde o sangue dos competidores mortos por seus oponentes substituía, de algum modo, o de governantes corruptos e incapazes, que divertiam as multidões para evitar uma revolta em larga escala, num momento em que um lampejo de lucidez viesse a esclarecer as verdadeiras causas das desgraças do Império.
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