Transporte urbano com tração animal
O Paço Imperial, construído no Rio de Janeiro no Século XVIII, para servir, inicialmente, como residência do Governador (vice-rei), era dotado de duas cocheiras, segundo descrição de Joaquim Manuel de Macedo:
"A face do norte apresentava [...] um pórtico fronteiro a outro igual da face do sul, dando entrada para o saguão, e além desse, mais dois para serventia particular, e entre eles duas cocheiras e dezenove janelas de peitoril." (²)
Não se espantem os leitores: cocheiras eram absolutamente necessárias. Animais que serviam ao transporte de humanos e de carga precisavam de moradia.
Muita gente andava a cavalo; em áreas urbanas, porém, a maioria das pessoas preferia os "carros", que podiam ser coches, seges, troles, tílburis, e assim por diante.
Como a maioria de nós, gente do século XXI, não tem a menor intimidade com o uso desses veículos, vai aqui um pequeno dicionário para alguns deles, sem nenhuma pretensão a rigor técnico, apenas para dar uma ideia:
Sege - tinha só um par de rodas e um assento. Cortinas ocultavam o(s) passageiro(s).
Coche - semelhante à sege, mas geralmente com quatro rodas.
Carruagem - Montada sobre molas, para reduzir o impacto ao passar por buracos e outras irregularidades do terreno (não pouco frequentes).
Carroça - com duas ou quatro rodas, servia para o transporte de carga. Era puxada por cavalos, burros ou mulas.
Trole - era uma carruagem bem simples, que se usava para o transporte de passageiros, principalmente no interior do Brasil.
Tílburi - Tinha um só par de rodas, com um único animal de tração.
A literatura brasileira do Século XIX contém numerosas referências a meios de transporte com tração animal, mesmo porque eles eram parte da vida quotidiana de quase todo mundo. Em Dom Casmurro, por exemplo, a personagem que dá título à obra relata o apreço que tinha, na infância, por passear na sege de propriedade do pai. Bentinho contará por si mesmo:
"Era uma velha sege obsoleta, de duas rodas, estreita e curta, com duas cortinas de couro na frente, que corriam para os lados quando era preciso entrar ou sair. Cada cortina tinha um óculo de vidro, por onde eu gostava de espiar para fora.
"Era uma velha sege obsoleta, de duas rodas, estreita e curta, com duas cortinas de couro na frente, que corriam para os lados quando era preciso entrar ou sair. Cada cortina tinha um óculo de vidro, por onde eu gostava de espiar para fora.
- Senta, Bentinho!
- Deixa espiar, mamãe!
E em pé, quando era mais pequeno, metia a cara no vidro, e via o cocheiro com as suas grandes botas, escanchado na mula da esquerda, e segurando a rédea da outra; na mão levava o chicote grosso e comprido. Tudo incômodo, as botas, o chicote e as mulas, mas ele gostava e eu também."
É bom lembrar que a maioria das pessoas, nas cidades, fazia uso de "carros de aluguel", num sistema semelhante aos modernos táxis, mas havia quem tivesse seu próprio meio de transporte. A propósito, quem tinha, por exemplo, um coche particular, devia ter, também, um escravo ou empregado para a função de cocheiro ou condutor. Nos carros de aluguel o cocheiro era, em geral, assalariado para a função. É também de Machado de Assis esse trechinho de Quincas Borba que nos permite entrever o fato de que cocheiros podiam, afinal, ser pessoas que apreciavam informações em primeira mão, o que obrigava casais apaixonados à guarda de um comportamento, digamos, discreto:
E em pé, quando era mais pequeno, metia a cara no vidro, e via o cocheiro com as suas grandes botas, escanchado na mula da esquerda, e segurando a rédea da outra; na mão levava o chicote grosso e comprido. Tudo incômodo, as botas, o chicote e as mulas, mas ele gostava e eu também."
É bom lembrar que a maioria das pessoas, nas cidades, fazia uso de "carros de aluguel", num sistema semelhante aos modernos táxis, mas havia quem tivesse seu próprio meio de transporte. A propósito, quem tinha, por exemplo, um coche particular, devia ter, também, um escravo ou empregado para a função de cocheiro ou condutor. Nos carros de aluguel o cocheiro era, em geral, assalariado para a função. É também de Machado de Assis esse trechinho de Quincas Borba que nos permite entrever o fato de que cocheiros podiam, afinal, ser pessoas que apreciavam informações em primeira mão, o que obrigava casais apaixonados à guarda de um comportamento, digamos, discreto:
"Não percamos estes momentos; vamos dizer nomes ternos; mas baixo, baixinho, para que os malandros da almofada do carro não escutem. Para que há de haver cocheiros neste mundo? Se o carro andasse por si, a gente falava à vontade, e iria ao fim da Terra."
Meio-coche, desenho aquarelado de Thomas Ender (⁴) |
(1) ____________ O Brasil Pitoresco e Monumental. Rio de Janeiro: E. Rensburg, 1856. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) MACEDO, Joaquim Manuel de. Um Passeio Pela Cidade do Rio de Janeiro. Brasília: Senado Federal, 2005, p. 36.
(3) Fiacre, desenho de Thomas Ender. O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) Meio-coche, desenho aquarelado de Thomas Ender. O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
Veja também:
Às vezes, tenho a sensação de que vivi nessa época, por gostar tanto de ver e saber da sua historiografia...
ResponderExcluirHahaha... Tem gente que acha a mesma coisa sobre a Idade Média, Egito Antigo, e por aí vai. Acontece, quase sempre, pela imagem idealizada que se tem de uma determinada época. Todos os tempos tiveram seus problemas.
ExcluirNeste caso, apesar dos lindos coches, carruagens, etc., havia muita falta de higiene, epidemias de febre amarela, gente jovem morrendo de tuberculose. Imagine só o que acontecia com todas aquelas mulheres arrastando suas saias e vestidos pela poeira ou pela lama... Nada muito romântico, não é mesmo?