segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A hora e a vez do Absolutismo: "O rei é lei animada sobre a terra"

Se você é do tipo que diz (ou já disse) algo assim: "Olha é lei, viu, está aqui, tudo escrito...", então talvez não faça ideia de que já houve época em que as coisas eram muito diferentes.
Dom Duarte, rei de Portugal (⁴)
Viajemos no tempo, para os dias do rei Dom Duarte, de Portugal, que reinou entre 1433 e 1438. Vigorava, então, a chamada "Lei Mental". Ora, que vinha a ser isto? Lemos nas Ordenações do Reino (¹), Livro Segundo, Título XXXV:
"El-Rei Dom Duarte, por dar certa forma e maneira como os bens e terras da Coroa do Reino entre seus vassalos e naturais se houvessem de regular e suceder, fez uma lei que mandou pôr em sua chancelaria, a qual se chama Mental, por ser primeiro feita segundo a vontade e tenção del-Rei Dom João o Primeiro, seu pai, a qual em seu tempo se praticou, ainda que não fosse escrita."
Mas não era só. As mesmas Ordenações do Reino, a despeito de minuciosamente preverem regras para quase tudo que se possa imaginar, determinavam que, ao fim e ao cabo, o rei estava acima da legislação escrita e podia, desse modo, julgar, não de acordo com a letra, mas "segundo a consciência":
"...porque somente ao príncipe, que não reconhece superior, é outorgado por direito que julgue segundo a consciência, não curando de alegações ou provas em contrário feitas pelas partes..." (²)
Querem mais, senhores leitores? Pois aí vai. Eram tempos, como todo mundo sabe, de absolutismo monárquico. O que é que isso significava, na prática? Resposta, também das Ordenações:
"...o Rei é Lei Animada sobre a terra, e pode fazer lei e revogá-la, quando vir que convém fazer-se assim." (³)
Se alguém dentre os leitores ainda achava que esses eram tempos românticos, lamento pela eventual desilusão. E, lembro, naturalmente, do valor que se deve dar às conquistas da democracia, bem como da obrigação que todos temos de cuidar delas direitinho.

(1) De acordo com a edição de 1824 da Universidade de Coimbra.
(2) Livro Terceiro, Título LXVI
(3) Livro Terceiro, Título LXXV, § 1
(4) BRITO, Frei Bernardo. Elogios dos Reis de Portugal com os Mais Verdadeiros Retratos que se Puderam Achar. Lisboa: Pedro Crasbeeck, 1603. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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