Viajando pelo Brasil por volta da época da Independência, Saint-Hilaire, naturalista francês, observou que meninos brasileiros pareciam tristes, pouco brincalhões e não eram frequentemente vistos, ao menos em público, envolvidos em brincadeiras próprias de sua idade, como soltar pipas ou jogar bola. Tendo estado também na então Província Cisplatina (¹), que D. João insistira em anexar ao Brasil, notou que os meninos uruguaios eram bem diferentes. Brincavam como seria esperado de crianças normais.
É difícil avaliar o quanto a observação de Saint-Hilaire corresponderia à verdade. Nem sempre aquilo que se percebe em público é o mesmo que sucede na vida privada. Mas pode haver um precedente legal para explicar por que motivo, no Brasil, não se brincava em público.
Diziam as Ordenações do Reino (²) no Livro Quinto, Título LXXXII, § 10:
"E qualquer pessoa que, ao Domingo ou dia de festa que a Igreja manda guardar, antes da missa do dia jogar a bola, pagará da cadeia quinhentos réis para quem o acusar. E na mesma pena incorrerá qualquer oficial mecânico ou homem de trabalho que na Corte ou na cidade de Lisboa jogar a bola pela semana, em qualquer dia que não seja de guarda." (³)
Não vou discutir agora a distinção feita na lei entre "qualquer pessoa" e "qualquer oficial mecânico". É coisa por demais evidente, no contexto da época, de modo que dispensa comentários.
Como se sabe, as leis que vieram a fazer parte das Ordenações eram, em sua maioria, bem anteriores à compilação. Assim, no Século XVI, Estácio de Sá proibiu o jogo de bola no Rio de Janeiro, além de jogos de cartas e dados.
Proibição feita, desobediência garantida. Conta Varnhagen (⁴) que Estácio de Sá não teve outro remédio senão conceder anistia aos infratores e, daí por diante, instituiu uma multa de cem mil réis (na época, era muito dinheiro), que deviam ser pagos à Confraria de São Sebastião. Consta que o regulamento foi respeitado.
De qualquer modo, a proibição feita por Estácio de Sá (assim como a das Ordenações) era voltada a homens adultos, mas pode ter significado uma restrição, ainda que velada, aos jogos de bola por meninos, ao menos da parte dos pais, que não deviam achar graça nenhuma em uma eventual multa. Não é sem causa, portanto, que em fins do Século XVI o Padre Fernão Cardim, referindo-se aos meninos índios, dizia que eram muito mais alegres em suas brincadeiras que os meninos portugueses que encontrou, ao percorrer o Brasil acompanhando o visitador jesuíta Cristóvão de Gouvêa. (⁵)
"E qualquer pessoa que, ao Domingo ou dia de festa que a Igreja manda guardar, antes da missa do dia jogar a bola, pagará da cadeia quinhentos réis para quem o acusar. E na mesma pena incorrerá qualquer oficial mecânico ou homem de trabalho que na Corte ou na cidade de Lisboa jogar a bola pela semana, em qualquer dia que não seja de guarda." (³)
Não vou discutir agora a distinção feita na lei entre "qualquer pessoa" e "qualquer oficial mecânico". É coisa por demais evidente, no contexto da época, de modo que dispensa comentários.
Como se sabe, as leis que vieram a fazer parte das Ordenações eram, em sua maioria, bem anteriores à compilação. Assim, no Século XVI, Estácio de Sá proibiu o jogo de bola no Rio de Janeiro, além de jogos de cartas e dados.
Proibição feita, desobediência garantida. Conta Varnhagen (⁴) que Estácio de Sá não teve outro remédio senão conceder anistia aos infratores e, daí por diante, instituiu uma multa de cem mil réis (na época, era muito dinheiro), que deviam ser pagos à Confraria de São Sebastião. Consta que o regulamento foi respeitado.
De qualquer modo, a proibição feita por Estácio de Sá (assim como a das Ordenações) era voltada a homens adultos, mas pode ter significado uma restrição, ainda que velada, aos jogos de bola por meninos, ao menos da parte dos pais, que não deviam achar graça nenhuma em uma eventual multa. Não é sem causa, portanto, que em fins do Século XVI o Padre Fernão Cardim, referindo-se aos meninos índios, dizia que eram muito mais alegres em suas brincadeiras que os meninos portugueses que encontrou, ao percorrer o Brasil acompanhando o visitador jesuíta Cristóvão de Gouvêa. (⁵)
(1) A anexação formal ocorreu em 1821. Em 1828 a Cisplatina tornou-se independente.
(2) Compiladas e publicadas no início do Século XVII, mas em grande parte já existentes muito antes disso.
(3) De acordo com a edição de 1824 da Universidade de Coimbra.
Vale recordar que, em se tratando de escravos que fossem flagrados jogando bola, a legislação portuguesa era ainda mais severa. Dizia o Livro Quinto, Título LXXXII, § 11:
"E aos escravos que forem achados em qualquer parte de nossos Reinos, culpados em cada um dos casos acima ditos, ou jogando outro qualquer jogo na Corte ou na cidade de Lisboa, ser-lhe-ão dados vinte açoites ao pé do pelourinho, salvo se seu senhor quiser pagar por o seu escravo quinhentos réis para quem o prender, e que não o açoitem."
(4) VARNHAGEN, F. A. História Geral do Brasil vol. 1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1877, p. 305.
(5) Veja, sobre este tema, a obra de Fernão Cardim, relatando a visitação ocorrida entre 1583 e 1590: CARDIM, Pe. Fernão S. J. Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica. Lisboa: Imprensa Nacional, 1847, p. 41.
Veja também:
Marta, as coisas que aprendo aqui. Se os legisladores se levantassem do túmulo hoje e vissem a vossa Nação, que reverencia e vibra com o futebol, tinham um ataque cardíaco e morriam novamente, haha.
ResponderExcluirObrigada por mais esta pérola de sabedoria.
Beijinho, uma doce semana
Ruthia d'O Berço do Mundo
Pode ter certeza. O resultado foi muito diferente do projeto, para bem e para mal...
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