terça-feira, 20 de abril de 2021

Quando as carroças povoavam as ruas

Carroças já foram parte corriqueira da paisagem urbana e rural. Hoje são poucas e, em muitos lugares, sua circulação está proibida, ainda que haja proprietários algo resistentes.
O uso de carroças pressupõe que se empreguem animais de carga, e ninguém precisa conhecer muito sobre o passado da humanidade para saber que ditos animais nem sempre foram tratados com a consideração que mereciam, pela importância do trabalho que, de boa ou má vontade, eram levados a fazer. Em Esaú e Jacó, de Machado de Assis, há este incidente:
"Foi o caso que uma carroça estava parada, ao pé da Travessa de S. Francisco, sem deixar passar um carro, e o carroceiro dava muita pancada no burro da carroça. [...] Já havia algumas pessoas paradas, mirando. Cinco ou seis minutos durou esta situação; finalmente o burro preferiu a marcha à pancada, tirou a carroça do lugar e foi andando."
Literatura, sim, mas por que é que numa situação dessas ninguém levanta a voz contra tanta injustiça? O carroceiro de Machado de Assis não se saiu mal, mas outro, de carne e osso, porque da vida real, pagou caro as agressões contra os animais. Vejam, leitores, esta nota que apareceu no Diário de Santos, edição de 27 de agosto de 1907:
"Por desumano, foi preso no mercado, quando espancava barbaramente os animais de uma carroça, o respectivo condutor.
Caro há de pagar seu ato, pois, além de preso, terá de correr com a multa, para que aprenda a tratar melhor os animais." (¹)
Engana-se, porém, aquele que pensar que quando as carroças e congêneres eram maioria nas ruas, o trânsito era livre de perigos. Outra nota, no mesmo jornal e página da anterior, dizia:
"Na esquina da rua Amador Bueno e Dois de Dezembro, deu-se ontem um desastre do qual foi vítima Salvador Benegaço, que ficou com a perna direita partida, por lhe ter passado por cima uma carroça.
Salvador foi transportado, no carro de assistência, para a polícia, onde lhe foi fornecida guia para ser internado na Santa Casa.
O desastre deu-se às 3 horas da tarde e parece ter sido casual." (²)
Conclusão óbvia, meus leitores: não foi preciso esperar por um trânsito caótico de veículos automotores para ver acidentes nas ruas. Carroças e carruagens eram, para este propósito, mais que suficientes. Não foi em um acidente dessa natureza que morreu Pierre Curie, o cientista francês laureado com o Nobel de Física?

(1) DIÁRIO DE SANTOS, Ano XXXV, nº 269, 27 de agosto de 1907, p. 5.
(2) Ibid.


Veja também:

2 comentários:

  1. Boa tarde Marta, parabéns pela excelente matéria, aqui no Rio de Janeiro dificilmente as vemos. Grande abraço do seu amigo brasileiro e carioca da gema.

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    1. Acredite: há poucos meses, por volta das 18 horas, um cavalo escapou de uma carroça perto do Eixão (Eixo Rodoviário Norte) aqui em Brasília. Assustado pelo trânsito intenso, o animal corria entre os veículos, provocando muita confusão. Pior ainda, o dono tentava fazer o trânsito parar, para capturar o "fujão". É verdade que existe aqui, há anos, uma lei proibindo veículos com tração animal (a não ser autorizados para eventos especiais), mas parece que nem todo mundo sabe disso.

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