"Qual é a semana [...] em que não morre alguém debaixo de um bond elétrico? E bond elétrico é revolução?"
Machado de Assis, Gazeta de Notícias, 28 de abril de 1892
Menino, olha o carro! Cuidado ao atravessar a rua...
Outro dia ouvi uma menininha cantando:
"Quando saio a passear,
Um cuidado devo ter:
Ao atravessar a rua
O sinal obedecer!"
É bom que se tenha cuidado, mesmo, nessas ruas brasileiras de trânsito caótico. Mas cuidado também era necessário quando o trânsito, apesar de intenso, não fluía à mesma velocidade.
Em um livrinho destinado à prática escolar da leitura, publicado em 1875, cuja autora era a professora Guilhermina de Azambuja Neves, podia-se ler:
"Nos lugares onde transitam muitos carros ou nas encruzilhadas onde há trilhos de ferro não atravesses de uma calçada para outra sem te certificares primeiro de que não vem algum veículo que te possa pisar." (²)
Nesse tempo, "carros" e "veículos" urbanos, no Brasil, só os de tração animal.
Nesse tempo, "carros" e "veículos" urbanos, no Brasil, só os de tração animal.
Não tenho dúvidas de que a percepção da velocidade depende do tempo em que se vive. Gente que viajou nas primeiras locomotivas a vapor, capazes de desenvolver apenas uns poucos quilômetros a cada hora, tinha sensação de vertigem devido à velocidade. O mesmo acontece em relação aos acidentes de trânsito - eram numerosos e trágicos no passado, quando carroças, carruagens, seges e coches, todos com tração animal, infestavam as ruas, como o são atualmente, com automóveis que se deslocam por ruas e avenidas, quando em boa ordem, a 60 ou 80 quilômetros por hora. Se o assunto é tragédia, vale recordar que o cientista francês Pierre Curie, que morreu em 19 de abril de 1906, foi, em um dia de tempo chuvoso, atropelado por uma carruagem. Sem mais rodeios, teve a cabeça triturada. Sim, acidentes com carruagens e seus cavalos podiam ser tão fatais quanto um atropelamento por automóvel ou trem.
Quando os primeiros bondes elétricos foram introduzidos no Rio de Janeiro (na época, capital do Brasil), não foram poucos os acidentes, vários deles com óbitos. Machado de Assis, que era, então, colunista do jornal Gazeta de Notícias, comentou alguns desses casos, dentre os quais vão aqui alguns, para que os leitores percebam que os acidentes com bondes elétricos eram creditados à velocidade que desenvolviam, quando comparados aos velhos bondes puxados por burros.
Em 14 de outubro de 1892 Machado escreveu:
"Custa muito passar adiante, sem dizer alguma coisa das últimas interrupções elétricas; mas se eu não falei da morte do mocinho grego, vendedor de balas, que o bond elétrico mandou para o outro mundo, há duas semanas, não é justo que fale dos terríveis sustos de quinta-feira passada. O pobre moço grego se tivesse nascido antigamente, e entrasse nos jogos olímpicos, escapava ao desastre do largo do Machado. Dado que fosse um dia destruído pelos cavalos, como o jovem Hipólito, teria cantores célebres, em vez de expirar obscuramente no hospital, tão obscuramente que eu próprio, que lhe decorara o nome, já o esqueci."
Diria também, em 23 de outubro do mesmo ano:
"Se os dois anciãos que o bond elétrico atirou para a eternidade esta semana houvessem já feito por si mesmos o que lhes fez o bond, não teriam entestado com o progresso que os eliminou."
Sarcástico, não? Os "desastres", como se usava dizer, nem sempre eram fatais, mas podiam resultar em lesões graves, como se vê neste outro trecho, datado de 13 de novembro de 1892:
"Moderno e antigo a um tempo é o novo desastre produzido pelo bond elétrico, não por ser elétrico, mas por ser bond.
Parece que contundiu, esmagou, fez não sei que lesão a um homem. O cocheiro evadiu-se."
Aparece aí, no final desta última citação, um fato que, mutatis mutandis, não deixa, às vezes, de ocorrer até hoje, quando acontece algum acidente de trânsito.
À vista de tudo isso, só resta lembrar o conselho da Professora Guilhermina de Azambuja Neves: "...não atravesses de uma calçada para outra sem te certificares primeiro de que não vem algum veículo que te possa pisar." Ou, mais simplesmente: - cuidado ao atravessar a rua, menino!...
(1) ______________ Album de Vues du Brésil. Paris: A. Lahure, 1889. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
À vista de tudo isso, só resta lembrar o conselho da Professora Guilhermina de Azambuja Neves: "...não atravesses de uma calçada para outra sem te certificares primeiro de que não vem algum veículo que te possa pisar." Ou, mais simplesmente: - cuidado ao atravessar a rua, menino!...
(1) ______________ Album de Vues du Brésil. Paris: A. Lahure, 1889. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) NEVES, Guilhermina de Azambuja. Entretenimentos Sobre os Deveres de Civilidade 2ª ed. Rio de Janeiro: 1875, pp. 115 e 116. O exemplar consultado pertence à BNDigital.
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