sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Por que Malthus (ainda) não tem razão

"E se em cada caso de namoro gorado morresse um homem, tinha já diminuído muito o gênero humano, e Malthus perderia o latim."
Machado de Assis, A Mão e a Luva

A população cresce em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos só aumenta em progressão aritmética. Está aí a simplificação das ideias de Thomas Robert Malthus, clérigo inglês que escreveu An Essay on the Principle of Population. Preocupadíssimo com o que lhe parecia um aumento sem precedentes da pobreza, propunha que os pobres empreendessem um estrito controle da natalidade, naturalmente pelo único método que, em seus dias, de fato funcionava: nada de relações sexuais, mesmo dentro do casamento. Em defesa de Malthus pode-se observar que ele não foi o primeiro e muito menos o último a aventar a ideia da abstinência para evitar a proliferação de bebês em famílias pobres. Além disso, naqueles tempos, as famílias, independente de condição social, eram quase sempre muito numerosas, ainda que muitos bebês não chegassem à idade adulta - a mortalidade infantil era elevada.
A pobreza que assombrava Malthus era bem velha. Ele é que talvez não a conhecesse, até que a dita cuja resolveu mudar de endereço, migrando de áreas campesinas para os miseráveis subúrbios de Londres e de outras cidades industriais da Inglaterra. 
A "profecia" de Malthus estava ancorada em observações feitas no Século XVIII e primeira metade do XIX. Por que é que não se concretizou tão prontamente?
Há várias razões para isso, e dentre elas, algumas decorrentes da própria industrialização. Junto com o invento de máquinas para as fábricas (principalmente de tecidos), vieram as máquinas para a lavoura. Pouca gente sabe, mas a agricultura foi beneficiada, por exemplo, com o uso de tratores a vapor. Isso, é claro, contribuía para ampliar as possibilidades de cultivo de áreas cada vez maiores, aumentando, por consequência, a oferta de alimentos. Um outro fator, o desenvolvimento da indústria química, favoreceu o aparecimento de uma série de produtos, tais como adubos e defensivos agrícolas, que muito contribuíram para o aumento da produção. É nesse sentido que se diz que, ao lado da chamada Revolução Industrial, ocorreu também uma Revolução Agrícola, estando uma profundamente relacionada à outra.
A industrialização acabou levando, mediante a produção em larga escala, a um barateamento de artigos como tecidos, de tal modo que mesmo os mais pobres já não andavam sujeitos ao uso de andrajos, como antigamente. É bastante provável que, já pelo final do Século XIX, em muitos lugares os trabalhadores e suas famílias tivessem uma expectativa de vida mais favorável do que a alcançada pela  nobreza nos séculos precedentes. Malthus estava errado?
Talvez apenas temporariamente.
Qualquer pessoa que tenha a cabeça no lugar ficará preocupada, se considerar o mundo de hoje. A população continua a aumentar e aumentar, enquanto as terras agricultáveis são danificadas por uma variedade de fatores. Danos ambientais sem precedentes (¹) levam à incerteza não só quanto ao suprimento de comida, mas também, e muito mais grave, quanto ao de água, até mesmo em lugares que eram tidos como verdadeiros paraísos aquáticos - os leitores sabem muito bem do que é que estou falando. E, pior, sem água suficiente, a agricultura se inviabiliza, os gêneros alimentícios tornam-se escassos, os preços sobem.
Malthus, Malthus, Malthus...
Ainda assim, sempre houve e sempre haverá quem veja vantagens no aumento da população, seja por razões religiosas, ou mesmo políticas. De acordo com Políbio de Megalópolis, um grego que foi contemporâneo de parte das Guerras Púnicas (²), os moradores de Tarento, na Península Itálica (³), contrariando o hábito de muitos outros povos, costumavam enterrar os mortos do lado de dentro das muralhas que protegiam sua cidade, uma vez que acreditavam piamente em um oráculo que lhes assegurara que seriam uma população tanto mais feliz quanto mais numerosa alcançasse ser...

(1) Ainda que não isoladamente.
(2) Entre Roma e Cartago.
(3) Era parte da chamada Magna Grécia.


Veja também:

2 comentários:

  1. A Humanidade está num impasse. Adoptar medidas malthusianas e controlar o aumento da população pode provocar um desequilíbrio perigosíssimo. Senão vejamos, uma população envelhecida sem jovens suficientes em idade produtiva para sustentar os sistemas de reformas, como já vemos na Europa. Ou, a falta de mulheres, como se vive na China, depois de tantas décadas da política do filho único ter resultado em abortos seletivos (e outras medidas desumanas) para privilegiar os filhos varões. Resultado: hoje têm que importar esposas...
    Some-se a degradação de solo arável e a escassez de água. Resultado: fome?!
    Alguma coisa terá que acontecer. Má, provavelmente.
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. A coisa é tanto mais séria porque a população cresce absurdamente em áreas de economia miserável, enquanto que em outros lugares os governantes chegam a suplicar aos cidadãos para que tenham filhos (afinal, como vc assinalou muito bem, quem é que vai trabalhar para manter uma imensa população idosa, com todos os benefícios do welfare state?).
      Quanto à degradação do solo, é, em grande parte (mas não só...) consequência de práticas de uso inadequadas. Fica difícil interromper a degradação porque, aqui também, acontece em maior escala em regiões muito pobres, com populações escassamente instruídas, que desconhecem técnicas apropriadas que poderiam deter, ou, pelo menos, retardar a degradação. Isso sem falar no desmatamento em larga escala, em áreas que propiciam cultivo por alguns poucos anos e, depois, no máximo, servirão para pastagens, como acontece em uma certa floresta muito famosa deste lado do Atlântico. De fato, tudo caminha muito mal.

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