quinta-feira, 1 de abril de 2021

Crucificados

Crucifixão de Jesus, obra de
Albrecht Dürer, Século XVI (⁶)
A origem da pena de crucifixão tem sido atribuída aos persas, em decorrência de um relato de Heródoto no Livro VII de Histórias, no qual se diz que Dario, durante as guerras entre persas e gregos (¹), ordenou que um juiz corrupto fosse crucificado. Parece certo, também, que por ordem de outro rei persa, foi crucificado um faraó líbio que governou o Egito. Não está claro, porém, quando essa horrenda forma de execução foi primeiramente usada, e pode nem ter começado na Pérsia, porque, segundo uma inscrição cuneiforme assíria dos dias de Tiglate-Pileser II (²), esse feroz mandatário, no melhor estilo de sua dinastia, fez crucificar um rei que derrotara em combate. Para melhor efeito diante dos inimigos, providenciou que a sentença se cumprisse diante do portão da capital vencida. Tipicamente assírio, não é? Neste caso, a triste primazia do invento teria outros donos, que não os persas.
Foram os romanos, contudo, que, fazendo da crucifixão, ocasionalmente, uma forma de execução em massa, deram a ela o status de pena mais abominável, em razão de provocar morte lenta, acompanhada de sofrimento intenso e da execração pública. Foi o que sucedeu, por exemplo, no final da rebelião de escravos conhecida como Revolta de Espártaco (³), quando os capturados vivos foram crucificados coletivamente, formando as cruzes uma verdadeira floresta, entre as quais era impossível a alguém caminhar em linha reta. 
Crucifixões em massa também ocorreram, segundo Flávio Josefo, durante a campanha romana de Tito em 70 d.C., que culminou com a destruição de Jerusalém. Devido à completa falta de alimentos na cidade sitiada, muitos judeus tentavam conseguir comida do lado de fora e eram capturados por soldados romanos, chegando seu número a uns quinhentos por dia. Tito não via o que fazer com eles e, assim, decidiu que fossem crucificados. A situação teria chegado a tal ponto que já não havia cruzes disponíveis e nem lugar para afixá-las, tal era a quantidade de supliciados (⁴).
Crucifixão de Jesus, obra de Gustave Doré,
Século XIX (⁶)
Mais comum, no entanto, era a execução de uma só pessoa. Suetônio, em De vita Caesarum, refere a crucifixão, sob as ordens de Galba, de um tutor que assassinara o pupilo para se apropriar da herança. Sentença idêntica foi aplicada a um tesoureiro de Domiciano. O caso mais curioso, talvez, relatado ainda por Suetônio, relaciona-se a uma ocasião em que Júlio César conseguiu capturar piratas  que, anteriormente, haviam-no aprisionado no Mediterrâneo, exigindo um resgate para libertá-lo:
"Teve ocasião de vingar-se, ao capturar os piratas que o haviam aprisionado, mas como era naturalmente bondoso, cumpriu o que prometera, de fazê-los crucificar, mas antes deu ordem para que fossem degolados" (⁵). A bondade de César, neste caso, estaria em dar aos piratas uma morte rápida. Um crucificado jovem e de boa saúde em geral agonizava por vários dias. 

(1) Século V a.C.
(2) Cujo reinado ocorreu no Século X a.C.
(3) 73 - 71 a.C.
(4) Cf. JOSEFO, Flávio. As Guerras Judaicas, Livro V.
(5) SUETÔNIO. De vita Caesarum, Livro I. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(6) Duas concepções artísticas da crucifixão de Jesus: a primeira por Albrecht Dürer (Século XVI), a segunda em gravura de Gustave Doré (Século XIX). Ambas foram editadas para facilitar a visualização neste blog. Lembrem-se, leitores, de que artistas são influenciados pela época em que vivem e refletem essa influência em suas obras. 


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